Análise | Gato Roboto – Miados & Mísseis

Já faz uns bons anos desde que a indústria do video game, como um todo,  passou a adotar “complexidade” como algo necessário, criando a percepção de que jogos que abraçam a simplicidade são menos interessantes ou menos “dignos” de seu tempo ou dinheiro. O consumidor, no geral, foi guiado a enxergar a duração de um jogo como uma métrica do quanto aquele jogo vale, como se fosse possível quantificar diversão. Isso acabou gerando inúmeros jogos desnecessariamente complexos e mais longos do que precisavam ser, apenas para satisfazer esse requerimento arbitrário que se tornou padrão. Abraçar a simplicidade passou a ser um risco que poucos queriam correr. No entanto, fazer algo simples e de qualidade, é tão ou mais difícil do que fazer algo complexo, especialmente quando não se tem dezenas de elementos à disposição para desviar o foco do que realmente importa no jogo. Assim como no minimalismo, um jogo mais simples, mais direto ao ponto, tem de ser muito bem executado para se destacar. A máxima de “menos é mais” continua se provando verdadeira, e Gato Roboto é prova disso.

 

 

Com Gato Roboto , a Doinksoft e a Devolver Digital apostaram na simplicidade, usando gráficos em pixel art 1-bit (esquema monocromático), uma trilha sonora que compõe a atmosfera do jogo de modo brilhante e a fórmula de Metroid para oferecer ao jogador um jogo extremamente divertido, bem executado, com bom humor e muito carisma, provando ter feito uma aposta mais que acertada.

Embora ultimamente o termo “Metroidvania” tenha se consolidado, o termo é fundamentalmente errado, uma vez que Castlevania nada acrescentou à fórmula de Metroid. Ainda assim, muitos jogos que usaram Metroid como base tentaram se distanciar um pouco da fonte adicionando alguns outros elementos – sejam de gameplay, narrativa ou apresentação – quase como se quisessem esconder suas inspirações, ou mesmo rejeitá-las. Outros, como Xeodrifter, abraçaram a fórmula e construíram uma identidade própria em cima dela. Gato Roboto faz exatamente isso, seja com sua estética 1-bit, com seu humor, ou mesmo com sua premissa curiosa de ter uma gatinha pilotando um mobile suit – e o faz excepcionalmente bem.

Gato Roboto começa com uma cutscene que mostra como a nave do Tenente Gary – e de sua gatinha Kiki – caiu num planeta distante, no qual está localizada uma instalação de pesquisa abandonada de onde foi emitido um sinal de socorro para a nave de Gary minutos antes da queda – que pode ou não ter sido ocasionada por motivos de “gato fazendo coisas de gato”. Após a queda, Gary fica preso dentro da nave, e muito ferido, fala com Kiki (embora nem ele mesmo saiba como) para que ela encontre um dos mobile suits comuns à essas instalações para que possa libertá-lo de dentro da nave, antes que seja tarde demais.  E é nesse ponto que o jogo se inicia, com o jogador controlando Kiki e recebendo orientações de seu dono, enquanto desvenda o mistério por trás do sinal de socorro enviado à sua nave.

 

 

Controlando Kiki, o jogador pode pular, correr, nadar e subir pelas paredes, mas não possui qualquer forma de ataque e está totalmente vulnerável, de forma que qualquer dano é uma passagem de volta para o último savepoint. Já quando Kiki está no comando do mobile suit, as coisas mudam um pouco: lá se vai a habilidade de subir pelas paredes, e junto com ela, a movimentação veloz e a capacidade de nadar. O mobile suit recebe dano ao tocar a água, sua mobilidade e seu pulo são mais pesados, mas em troca, oferece maior resistência em forma de uma barra de energia e um canhão com alcance moderado e munição infinita, permitindo que Kiki possa explorar a instalação de pesquisa de modo mais seguro. Há a possibilidade ainda de conseguir melhorias para o mobile suit, como módulos de energia, um disparador de mísseis e um módulo que permite executar um pulo duplo que lembra bastante o screw attack de Samus, em Metroid. Em certas áreas Kiki vai encontrar outro veículo, que funciona meio como submarino, meio como nave, sendo parte inclusive de um dos momentos mais legais do jogo, em que Gato Roboto se transforma brevemente em um shmup – ou jogo de navinha, pra quem prefere falar assim – durante uma boss battle. Há ainda um terceiro “veículo” que na verdade é melhor descrito como um canhão de artilharia, que é fixo no chão, e aparece com menor frequência durante o jogo. Como era de se esperar de um “filho de Metroid”, Gato Roboto conta com salas secretas, módulos de expansão para seus mísseis, e colecionáveis que instigam o jogador a explorar todo o mapa em busca do famigerado “100%” – com o qual o próprio jogo faz uma piada em um determinado ponto. Esses colecionáveis extras são fitas cassete, e cada uma disponibiliza uma nova paleta de cor (ainda monocromática) que pode ser usada durante o jogo, de modo muito similar ao que acontece em outro jogo de estética pixel art 1-bit, Downwell.

 

 

Eu terminei o jogo em 3 horas e 15 minutos, com uma taxa de conclusão de 81%, tendo deixado pra trás ao menos duas salas visíveis no mapa, um módulo de expansão de mísseis e possivelmente umas 5 fitas cassete. Ao terminar, eu tive a impressão de que, assim como em Super Metroid, a velocidade com a qual você termina o jogo influencia no final do jogo – e se formos usar Super Metroid como exemplo, é preciso terminar o jogo em menos de 3 horas para ver o melhor final. Acredito que uma taxa de conclusão de 100% também possa alterar o final do jogo, pois é algo comum em jogos desse estilo, e por conta disso, Gato Roboto automaticamente tem um replay value muito alto para speedrunners e para jogadores que sempre gostam de correr atrás daquele famigerado 100%.

 

 

Conclusão

Gato Roboto foi uma grata surpresa, e eu não consigo recomendar esse jogo o bastante para qualquer fã de jogos que seguem a fórmula de Metroid, gosta de gatos, e especialmente para quem sabe valorizar a simplicidade em jogos nos tempos atuais. Como eu disse no início do review, Gato Roboto leva a máxima de “menos é mais” no coração, mas também aplica essa máxima no bolso do consumidor: custando apenas U$ 7,99 no Nintendo Switch (o preço no Steam ainda não aparece na página do jogo, mas pela lógica, o preço será muito bom), Gato Roboto é uma ótima pedida para quem quer gastar pouco e se divertir muito.

 

Este review foi desenvolvido com uma cópia do jogo gentilmente pela Devolver Digital. (versão Nintendo Switch)