Análise | Hardcore Maze Cube – O desafio de gameplay que você precisa experimentar

Coloque de lado todos os aspectos que julgue tornar um jogo difícil. Deixe para trás, também, as definições que você tem sobre a essência por trás de um game assim e o seu legado. Desconsidere o que conhece sobre o save game e esteja disposto a encarar uma situação diferente do que está acostumado a obter quando experimenta algo com a palavra Hardcore no nome do jogo ou de um modo. Depois de todo esse ritual, conheça Hardcore Maze Cube, criado e publicado pela desenvolvedora brasileira Yaw Studios.

No final do século passado os jogos eram programados para serem difíceis devido a limitações técnicas. A quantidade de informações que um cartucho podia armazenar era um grão de areia comparado aos discos Blu-Rays que temos nos consoles atuais. Fazer o jogador ficar vários dias e até meses para passar algumas fases foi um meio que os criadores de jogos definiram para aumentar a duração do game.

A tecnologia evoluiu e possibilitou que mais recursos, visuais ou não, marcassem presença nos jogos que iam sendo lançados. Hoje o apelo a títulos o mais próximo do fotorrealismo possível é o que dita, a grosso modo, o padrão da indústria. Dessa forma, os fatores de dificuldade dos jogos foram perdendo sua função principal e se tornando apenas um elemento. Vemos essa situação claramente na maioria esmagadora dos títulos existentes, onde a dificuldade está no nível elevado de bots inimigos e não no level design em si.

Hardcore Maze Cube não está apenas fora dessa categoria como vai na total contramão. O jogador controla um simpático cubo que está determinado a revelar os mistérios das dezesseis Matrizes Cúbicas e se tornar o maior explorador desse universo. Para isso, precisa passar pelos labirintos criado por cada Matriz, totalizando em 16 fases repletas de armadilhas e surpresas nada agradáveis, todas criadas pelas tais entidades misteriosas.

Direto ao ponto principal do jogo: a dificuldade

Maze Cube não é difícil apenas porque a inteligência artificial dos inimigos é “mais esperta” do que o comum. Na verdade, absolutamente todos eles são cem por cento previsíveis. O desafio está em decorar o ambiente, entender as armadilhas e, principalmente, no seu tempo de reação. Morrer é inevitável, pois é dessa maneira que o jogador compreende como cada parte do labirinto funciona e cada armadilha é ativada.

Porém não é só isso. Entender os padrões dos inimigos e conhecer os limites dos labirintos (coisa que já leva bastante tempo e muitas mortes) apenas significa que você sabe o que vai acontecer se der errado. Seu objetivo é fazer o que precisa ser feito para ir da entrada da caverna até a Matriz – que você precisa descobrir onde está sem qualquer tutorial.

Falando neles, tutoriais não estão presentes no jogo, justamente para fazer ainda mais alusão ao termo hardcore. O cubo só tem duas mecânicas: o dash e um escudo, e nenhum deles são introduzidos com um bê-a-bá na tela enquanto o gameplay é interrompido. Também é seu papel explorar os comandos que estão à sua disposição.

À partir do momento em que você mentaliza os comandos e sabe o que esperar cada vez que detecta um inimigo, a jogatina passa a girar em torno da sua capacidade de reação. Para mim, essa é a maior beleza do jogo. Hardcore Maze Cube te desafia a fazer o que precisa ser feito com impecabilidade. Eu poderia usar outra palavra, mas fugiria à proposta do jogo. Tal como a matemática é exata, você precisa executar os movimentos impecavelmente. Se não fizer assim, não dará certo (da mesma forma que 1+1=3 não é certo).

Aqui eu pego um gancho para as reações mais comuns que temos ao nos deparar com os títulos desafiadores para o padrão atual da indústria, como Dark Souls, Sekiro, ou quando precisamos derrotar um exército de imortais em Rise of The Tomb Raider: ansiedade, afobação, impaciência e relativos. Talvez esse tipo de sentimento te faça vencer chefões dos jogos acima com a força do ódio. Isso não vai acontecer em Hardcore Maze Cube. Na verdade só vai piorar seu desempenho.

Logo é fácil de concluir que a única maneira de avançar é não deixar essas reações influenciarem no seu gameplay. Isso exige um autocontrole afiado. Quando o jogador percebe isso, descobre que a proposta do game não é desafiar o player a passar de fase, e sim a se autoconhecer, pois entender o inimigo, perceber como utilizar o ambiente ao seu favor, aprimorar a velocidade de reação e como não deixar as emoções tomarem conta em momentos delicados são variáveis diferentes em cada ser humano.

“As pessoas às vezes podem até desviar dos tiros.” Disse Aislan Tinoco, criador do jogo e dono da Yaw Studios. “Se ele for pelo cantinho, passa sem o tiro acertar. Tudo foi pensado para que a pessoa olhasse o ambiente e falasse assim: ‘como eu posso usá-lo ao meu favor?’ Completou.” Isso me fez perceber outro ponto positivo: a excelência em transferir a dificuldade para o level design do jogo, e não ao quão rápido alguém consegue apertar repetidamente um botão.

O Save Point diferente

Sabe aquele desespero por encontrar uma máquina de escrever em Resident Evil 1, 2 e 3? Ele também está presente aqui, pois assim como os títulos de Shinji Mikami, carregam algo peculiar. Primeiramente, você precisa encontrar o Save Point, que está disperso em algum lugar do labirinto.

Depois disso considere o seguinte: você salvou com 5 vidas e continuou avançando. Lá na frente acabou cedendo aos desafios e perdendo essas 5 chances. Você retorna ao início da caverna onde utilizou o último Save Point, mas sem as 5 vidas! Ou seja, não se trata de um “turn-back” como acontece nos jogos atuais, onde você recomeça de um ponto anterior com os mesmos recursos, munições, granadas e outros recursos.

Por que um jogo assim?

A Yaw Studios é focada no desenvolvimento de jogos desafiadores no padrão deste Hardcore Maze Cube porque vai de encontro com o que Aislan quer colocar no mercado com seu nome: “Quero fazer um jogo que as pessoas tenham satisfação de conseguir passar, superar os seus limites” ele diz. “Eu fiz cada labirinto na mão, imaginando o player jogando, passando por cada obstáculo. Depois eu jogava cada fase, passando cada uma delas e falando ‘isso aqui é possível’? A minha validação era assim: se eu passar, alguém passa”.

Porém isso torna o jogo completamente de nicho e sua inserção nesse meio um tanto complicada, já que não há um vasto número de jogadores que gostam desse tipo de desafio.

Perguntei ao Aislan sobre o processo criativo do Hardcore Maze Cube, bem como suas inspirações para a criação dos inimigos, que passam por Indiana Jones e muitos outros jogos. De acordo com ele, muita coisa veio de sua própria percepção do que seria uma experiência incômoda para o personagem. “Da [ambientação em uma] caverna, veja, eu queria um labirinto. O que é mais inóspito do que uma caverna de pedra? É sombrio, posso colocar uma música bem punk, a parte de som, o ambiente, tudo [que] fizesse a pessoa se sentir dentro de um labirinto”.

O que motiva continuar jogando?

Esse é um ponto extremamente importante para mim. Eu perco totalmente o interesse em um jogo se seu objetivo for raso ou inexpressivo demais. Assim como qualquer material publicitário precisa captar a atenção do público-alvo nos primeiros segundos, o game precisa logo de cara me mostrar a sua proposta e o porquê eu farei o que estão pedindo. The King’s Bird é um exemplo pessoal marcante de como um jogo precisa ser se não quiser que eu o jogue. A falta de informações (que era para ser um charme daquele jogo) é tão mal utilizada que não me prendeu.

Em Hardcore Maze Cube acontece o total oposto e vai de encontro exatamente ao que eu gosto de experimentar: um real motivo para jogar. Antes de qualquer movimento, o jogador acompanha um diálogo entre o cubo e uma Matriz, que não faz rodeios ao dizer que muitos já tentaram e falharam na tentativa de chegar ao último labirinto. Porém quem conseguir terá uma recompensa muito interessante, que assim como o jogo, foge dos padrões.

Como me mantive desafiado durante o jogo inteiro, passei ao próprio criador do jogo a tarefa de falar sobre essa recompensa sem dar spoilers. Após um silêncio, ele disse: “É difícil não dar spoiler, mas vamos lá: surpreendente. Você nunca vai imaginar o que vai acontecer. Nunca. Dali você vai ver que um horizonte vai ser abrir. A história desse jogo [para se tornar completa] requer que a pessoa passe por esse sofrimento até o final”.

Hardcore Maze Cube foi lançado no dia 28 de janeiro de 2020 para PC. Esta análise foi feita com cópia cedida pela Yaw Studios à Torre de Controle.