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Crítica | Mulan – o declínio da lenda chinesa

Cinema

Crítica | Mulan – o declínio da lenda chinesa

Após inúmeros adiamentos, a lenda chinesa de Mulan chegou às telas pelas mãos da Disney, responsável por eternizar a mesma trama com a animação de 1998.

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https://www.youtube.com/watch?v=KK8FHdFluOQ

Após inúmeros adiamentos, a lenda chinesa de Mulan chegou às telas pelas mãos da Disney, responsável por eternizar a mesma trama com a animação de 1998. Niki Caro, roteirista e diretora neozelandesa responsável pelo filme While Rider (2002), tinha a missão de retratar a história de forma mais séria, trazendo para a vida real o drama da guerreira Hua Mulan. Ambientado na época das dinastias, Mulan se submete ao campo de batalha no lugar de seu pai — velho e debilitado — , contrariando os valores e as tradições das famílias chinesas. Consequentemente, o filme entrega essa trama, mas de uma forma desinteressante e vazia, totalmente em contradição com a cultura oriental – refletindo as péssimas avaliações do público chinês

Nos primeiros minutos de filme já podemos observar ideias ultrapassadas, características das produções da Disney. Visualizamos cenas com descontração, movimentos de ação exagerados, cenários e figurinos bonitos, porém mal aproveitados. Infelizmente isso segue até o final. O fardo de ser uma grande produção, consome qualquer proveito da beleza e da reflexão que a lenda carrega. Sendo assim, a lenda é movida com completa falta de sensibilidade, retratando de forma rasa os temas que o filme sobrepassa.

Isso é um problema sério, principalmente porque o debate essencial da mulher chinesa que vai ao campo de batalha não se sustenta na atuação de Liu Yifei. A atriz é limitada apenas à reproduzir movimentos de luta irrealistas e retratar timidamente em suas falas a sua percepção sobre as situações vividas. Normalmente esse último se passa no resquício de subjetividade que o filme tem, em cenas que a guerreira dialoga com outra mulher do campo de batalha.

Mulan retrata a repressão feminina nos pilares das tradições chinesas.
Mulan retrata a repressão feminina nos pilares das tradições chinesas.

Os diálogos seguem sendo um grande problema. Na maioria do filme os personagens despejam informações que se alternam entre alívios cômicos e demonstrações exageradas sobre seus pensamentos. Aqui se esvai toda a paciência e sabedoria retratada em outros filmes da mesma temática, como A Assassina (2015), do renomado diretor Hou Hsiao-Hsien. Inclusive, esse filme serve como um grande contraponto, dando exemplo de como uma história como Mulan deveria ser retratada: com diálogos precisos e necessários, pontuais em sua reflexão. Assim como “A Assassina”, Mulan deveria explorar melhor seus cenários — que são belos — , dando tempo de contemplação e absorção dos detalhes. Mas infelizmente o filme faz tudo ao contrário, negando a seriedade e se dissolvendo numa rota comercial. 

É trágico a forma como o exterior ocidental do filme destrói qualquer significado mais profundo na essência da história. Até a honra do povo chinês é retratado aqui como uma coisa qualquer, por personagens importantes como os soldados e o imperador. É tudo jogado freneticamente, como se o filme estivesse desesperado em alimentar o telespectador com cenas de ação absurdas e diálogos sem significados maiores. Até as partes mais dramáticas fogem rapidamente da reação de quem assiste.

Não só nas atuações, mas o excesso também é um problema na trilha sonora. Como se as grandes orquestras fossem a única opção possível para salientar o ritmo à todo momento. Isso impede que o filme respire, faz com que o silêncio e o som da natureza sejam opções descartáveis. Quase não se ouvem instrumentos orientais que proporcionem uma ambientação mais apropriada, remetendo à história da China.

O único ponto aproveitável do filme é a nostalgia quanto à animação. Algumas músicas e cenas inevitavelmente remetem ao título de 12 anos atrás, porém só isso não é suficiente. Na verdade é um problema, pois o filme seria mais interessante se distanciando da fantasia, retratando seriedade e um caráter oriental maior. As duas horas de duração se convertem instantaneamente num grande vazio, no qual a lenda não se consagra. Todo o misticismo e subjetividade do pensamento oriental são trocados por um excesso de fantasia e ação, onde nada é muito interessante e significativo. 

Mulan não atingiu a verdeira essência da arte oriental, em que o todo se forma nos pequenos detalhes. E não faz jus aos pensadores da filosofia chinesa. É um filme vazio, raso e desinteressante. Até as lutas decisivas são banalizadas aqui, se distanciando dos momentos tão aguardados em filmes do mesmo gênero. Parece que ser “uma grande produção” arruinou toda a expressividade que a lenda poderia passar, fazendo com que Mulan seja só mais um filme esquecível. Que não contempla a cultura oriental, o cinema ou os temas que aborda. Talvez o grande problema de Mulan é ser um filme da Disney. 

Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.

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