Crítica | A Escavação – no esquecimento do passado

https://www.youtube.com/watch?v=gAE2aRlsHYo

Envolto nos mistérios da história e das origens, A Escavação se baseia num fato verídico e esconde nas profundezas da terra a sua busca por significado e sentido. Produzido pela Netflix e dirigido por Simon Stone, o longa-metragem reveste a história do escavador Basil Brown (Ralph Fiennes), que no meio da Inglaterra pré-Segunda Guerra Mundial é chamado para um trabalho de campo, no terreno da viúva Edith Pretty (Carey Mulligan). A escavação ao qual Basil lidera, no entanto, atrai o interesse do Museu Britânico, guardando competição e expectativas para o desconhecido. 

Apesar da base histórica esbanjar curiosidade, o filme não se prende em complexidade narrativa, ou um roteiro demais informativo, e se desenrola muito mais em experiência estética. Os ângulos se apropriam do belo visual, e a câmera em planos abertos começa a ondular em cima do vazio dos cenários. Sim, o filme apresenta um “vazio”, mas não de uma forma que comprometa a experiência—como em Pieces of a Woman. Conforme os personagens secundários vão surgindo nesse vazio, as identidades preenchem o filme—com Peggy Piggot (Lily James) e Rory Lomax (Johnny Flynn) —, mesmo as atuações não sendo o grande foco. 

Mesmo sem formação, Basil Brown foi importante contribuinte para a arqueologia, como retratado em A Escavação.
Mesmo sem formação, Basil Brown foi importante contribuinte para a arqueologia.

Ainda no quesito da ambientação inglesa, não temos o visual clássico do país britânico, com céu cinza, chuva e cidades industriais – tirando o filtro acinzentado das imagens. Situado em boa parte num sítio, o filme tem um teor relaxante, que se desenvolve através da narrativa — que é comportada, sem muitas reviravoltas ou impactos. E essa fluidez tranquila, apaziguadora — na qual o filme quase que se resume — na verdade esconde o grande drama da história como conhecemos e estudamos. De fato as reflexões mais profundas que são impostas dizem respeito ao passado, e condizem com a tentativa de conhece-lo para a necessidade de estabelecer sentido no nosso futuro. 

É fato que a escavação é uma forma de desenterrar – num sentido literal, desenterrar os mortos. E é aqui que mora o enigma do personagem Basil Brown, pois o filme também tenta desenterrá-lo, revivendo o escavador figurativamente na narrativa do filme. Apesar de não sentir intimidade profunda com os demais personagens e suas histórias, a questão com Basil é mais embaixo, pois seu desenvolvimento implica na ideia de que só tivemos noção de seu trabalho e suas contribuição em anos mais atuais. Tendo em vista sua devoção à arqueologia e à astronomia, Basil Brown é uma personalidade curiosa por si só.

Os demais personagens, que formam a equipe de escavação, tem seus momentos e ganham destaques em certas cenas. Mas o filme claramente não se dirige à eles, nem prioriza suas presenças, tendo essa participação de forma quase neutra, retratando alguns estigmas sociais presentes na época – e que podem ser encontrados em outros filmes que retratam a Inglaterra no início do século XX. Ainda assim, é válido acompanhar esses dilemas e imaginar o medo devastador num país que se prepara para a guerra.

Carey Mulligan interpreta a dona do sítio no qual ocorre o trabalho de campo.

Concluindo a experiência do filme, o teor biográfico da história foge do detalhamento exagerado e segue num caminhar sutilmente visual. Com certeza é um retrato bonito do tempo, que não almeja ser uma grande obra de arte, nem um filme esplendoroso, mas estabelece uma qualidade na sua construção estética que o coloca na média. É um “assistir tranquilo”, mas que aguarda uma parte trágica da história, da qual todos conhecemos: a Segunda Guerra Mundial. Nisso, A Escavação parece reconciliar passado e presente, dando os devidos créditos à um escavador dedicado que durante muito tempo passou soterrado no esquecimento.