Crítica | O Telefone Preto – Um conto aterrorizante e violento como a infância
“Existe algo mais importante que a lógica: a imaginação. Se a ideia é boa, a lógica deve ser jogada pela janela.” Esta frase, normalmente atribuída a Alfred Hitchcock, serve muito bem para explicar a mente do Mestre do Suspense – e parte dos aspectos de seus filmes que influenciariam positivamente esse gênero pelos próximos anos.
Normalmente, as pessoas focam na segunda parte desta frase, como se Hitchcock rejeitasse a construção lógica, o racional, em nome de uma boa história. Pelo contrário. Pode-se dizer até que alguns dos seus poucos erros em muitos de seus filmes se dá no fato de tentar explicar muito ao espectador, de resumi-lo, para ter certeza que a audiência amarrou todas as pontas. Não. O charme da frase está em “imaginação”. O ponto chave aqui, e que serve para olharmos para o suspense e a obra do diretor mesmo que ele nunca tenha dito esta frase, é no prevalecer de uma boa premissa ante qualquer tipo de racionalização. Na compra de uma ideia e de tudo que é possível fazer com ela.
A imaginação é um elemento muito importante, ainda mais quando falamos desses gêneros companheiros, suspense e terror. Gêneros que, na maior parte das vezes, são mais interessantes quando focamos nas perguntas em vez das respostas. São nas lacunas do desconhecido, do não verbalizado ou mostrado, que nossa mente contadora de histórias gosta de tentar inserir respostas. E Alfred era muito bom nisto, apostar em ideias que dependeriam da boa vontade e imaginação do público para atingir sua máxima potência (Mas sempre contando com uma capacidade técnica e narrativa para tornar esta missão mais fácil para o espetador, claro). Por que os pássaros estão atacando? Saber vai tornar isto mais ou menos assustador? Por que este homem -spoiler- assassina pessoas vestido como a própria mãe? Hoje estamos acostumados com a mística dos serial killers e com a complexidade de suas mentes depois de tanto consumirmos sobre isso, mas Psicose, mesmo sendo uma história inspirada em fatos reais, ainda parecia fantasia impossível e alucinante para grande parte do público até então.
Uma boa história de horror precisa, de certa forma, nos trazer pro estado de criança. Pois é isso que crianças tem de sobra: medo e imaginação. Antes de uma indústria cinematográfica viciada em criar universos cinematográficos, nostálgicos ou repletos de referências, deixar lacunas e perguntas em uma obra era mais do que só uma necessidade de deixar o caminho aberto para criar novas formas de explorar um filme ou série até sua última gota. Era uma forma de deixar aquela história ou personagens vivos por mais tempo. Ou suas questões. Ou seus temas. Ou seus horrores. E o terror e o suspense precisam deste tipo de conexão com o espectador. Mais do que a racionalização, você precisa ir de frente pro desconhecido, pro inteligível, pra que você possa encontrar – ou melhor, sentir – algo. Que não precisa ser necessariamente o medo. Algo.
E Scott Derrickson (A Entidade, Doutor Estranho) parece entender isto muito bem. O diretor, roteirista e produtor gosta de trabalhar com o sombrio e de aproveitar boas ideias. Tanto que, apesar de seus filmes, não se enquadra no que habitualmente seria chamado de “diretor de terror” ou de suspense. Derrickson flutua entre diferentes abordagens, sempre experimentando formas, tons e perspectivas para extrair aquilo que acha terrível ou misterioso e contar suas histórias, sempre priorizando a inventividade ao transferi-las para a tela. E, olhando para sua cada vez maior filmografia, encontramos esta diversidade de narrativas. Temos terrores mais convencionais, ou mais comerciais, ou focados em desenvolvimento de personagens, ou de diferentes subgêneros, como ação policial. Temos aventuras com elementos de gênero, temos dramas inspirados em fatos reais, true crimes, ficção científica. É uma lista rica e diversa, mas todos os filmes parecem partir do mesmo ponto: priorizam sua ideia. E apostam nela.
E quando colocado assim, a intenção não é ser condescendente com Scott Derrickson. O cineasta tem mais erros do que acertos, essa é a verdade. Mas o seu faro por boas oportunidades e sua predisposição a se encaixar no que pensa ser a melhor forma de apresenta-las é que torna seus filmes interessantes. E, muito provavelmente, o diretor se encontrou com aquela que pode ser chamada de sua “melhor ideia” com Telefone Preto, conto do competente escritor Joe Hill – e, agora, transformado em filme.
Em uma cidade aterrorizada pelo sumiço de crianças, conhecemos o jovem Finney (Mason Thames). O garoto tímido, vítima de violência em casa e na escola, acaba sendo a nova presa do Sequestrador (Ethan Hawke), autor dos crimes e serial killer de menores de idade. Preso em um quarto à prova de som e de fuga, Finney contará apenas com a fé de sua irmã, Gwen (Madeleine McGraw), e a companhia de um antigo e desconectado telefone preto para tentar sobreviver. O Telefone Preto é simples. É muito fácil entender as situações dos personagens, de seus conflitos e entrar no jogo proposto pelo longa. E, por mais que o filme peque em adaptar um conto curto em uma película de longa duração, Derrickson acerta em manter o ponto forte desta história, sua simplicidade, para criar um suspense sobrenatural divertido, elegante e com boas atuações.
O primeiro acerto de Derrickson é ir na contramão das produções atuais. Com a inspiração de obras mais recentes e populares, como Stranger Things e IT, outros diretores e produtores possivelmente cairiam no lugar fácil de trazer elementos como o humor, o positivismo, as cores vivas e fortes e a estética oitentista para este projeto. E eles não estariam errados ao fazer isto. Esta é uma abordagem que poderia dar muito certo, nem que fosse apenas do ponto de vista comercial. Mesmo que o público já esteja um pouco cansado deste tipo de estética e tom, ele continua presente em muitas obras, em gêneros além do suspense e do terror e em diferentes mídias, e segue causando interesse na audiência.
Em O Telefone Preto, então, vemos algo mais próprio. A infância retratada aqui é mais brutal, menos luxuosa. O filme busca mostrar a violência desta fase, em diferentes campos da vida de um jovem adolescente – em especial, de um adolescente inserido neste contexto, do subúrbio estadunidense dos anos 70. Uma América mais violenta com serial killers, conflitos de gangue, crise financeira.
São adolescentes com problemas bem reais, que ainda estão tentando afirmar sua identidade, lidar com a vida social, bullys, novos amores, a relação com um lar abusivo. Isso as deixa mais próximo de nós. Se, nestes outros tipos de obras que citamos antes encontramos crianças mais heroicas, descoladas, onde até os fracassados são maneiros, aqui em Telefone Preto vemos o contrário. Enquanto estas outras crianças parecem espelhar aquilo que gostaríamos de ser ou ter sido na nossa infância, em O Telefone Preto elas refletem o lado dolorido dessa fase, aquilo que fomos ou vivemos e que muitas vezes queremos esquecer, mascarar. A dor do crescimento, somada a uma vivência de abuso e violência doméstica, é o que pode fazer com que parte deste público veja estas crianças de forma mais carismática – assim, se importando mais com o destino delas. E um protagonista que gera comoção no seu espectador é essencial para a construção de tensão em um filme.
Mesmo priorizando mostrar o “lado feio” dessa infância, O Telefone Preto não deixa de lado o lado lúdico ou a inocência. É interessante notar como estas crianças continuam sendo crianças, e de momentos em momentos o filme buscar fazer um “resgate” delas, nos lembrando que elas são crianças – por consequência, aumentando nossa sensação de perigo pelas situações que estão vivendo, reforçando nossa conexão e reconhecimento com os personagens, valorizando a tensão construída, em círculo. E esse lúdico é trazido também para o conceito do longa, que traz um lado fantasioso para O Telefone Preto que nos ajuda a ficar em dúvida do que estamos vendo, se é real ou irreal, fruto da mente de uma criança, o que faz o filme ganhar um aspecto de sonho.
Durante o primeiro ato do filme, vemos que há uma escolha em cada cena onde uma cor é escolhida para liderar a paleta. O amarelo, o laranja, o verde, e, na maioria das vezes, o azul-petróleo. Porém, mesmo com essa cor viva em destaque, a paleta é escura. É tudo muito sombrio. É como se, em meio às sombras, ainda desse pra ver a força do olhar infantil. Ou o contrário, o mundo da criança sendo infectado com a violência do mundo adulto. Esta escolha também é importante pois, após o sequestro de Finney e a chegada no quarto-cativeiro onde a história se passará a maior parte do tempo, a fotografia inverte. Agora, tudo é mais escuro, sombrio, preto (pra combinar com o principal objeto/personagem do filme), e as cores vivas é que aparecem vez ou outra só pra dar um destaque e chamar a atenção dos nossos olhos. O azul-petróleo agora é predominante, fazendo par com o negro – o que também pode representar o encontro destes 2 personagens, Finney (representado pelo azul-petróleo) e o Sequestrador (representado pelo preto).
Essa mudança na fotografia pode ter mais impacto para o espectador exatamente por causa dessa escolha, apontar cores durante o primeiro ato vai reforçar o peso da ausência delas quando o segundo ato chegar. Isso também acontece com o jogo de luz e sombras durante o filme. O primeiro ato é mais iluminado. Depois, quando vamos para as cenas onde Finney está preso, as cenas com luz do sol ficam mais raras. Elas normalmente surgem com Gwen, que é a personagem que representa a luz tanto para o personagem principal como para o público.
A direção de Derrickson também faz escolhas competentes para dar tom ao filme. Desde os créditos iniciais, o diretor insere cenas que tendem a emular filmagens caseiras e/ou amadoras. Isto é algo que ele já utilizou em outros trabalhos, como em A Entidade, e que serve para trazer um tom de verdade ao longa, trazendo uma energia de found footage ou mesmo de documentário true crime. Também usa muitos planos com a câmera na mão, trazendo proximidade e inserindo o espectador de forma mais íntima na cena. Isto é bastante útil, principalmente no primeiro ato, onde estamos conhecendo melhor os personagens e entramos dentro de suas casas, conhecendo sua dinâmica familiar.
No segundo ato, novamente para reforçar a mudança do ambiente aberto para o cárcere, também temos uma nova abordagem da câmera. Agora ela é mais fixa, os enquadramentos são mais desenhados e matemáticos. Essa mudança também é importante para trazer a atmosfera de sonho, de algo que foge do real. Outro ponto positivo é a escolha de Derrickson ao escolher como filmar este espaço, o quarto das vítimas. A primeira ideia ao se filmar uma narrativa que traz um aprisionamento seria a de nos aproximar do personagem, reduzir seu espaço, para nos dar uma sensação claustrofóbica, nos fazer sentir o desconforto de estar preso. Porém, o filme passa por 2 atos inteiros destro deste cenário. Isto poderia cansar o espectador, além de reduzir suas possibilidades de trabalhar com o espaço e o personagem em relação a eles. Como a ideia do aprisionamento já está dado na situação dos personagens, Derrickson opta pelo contrário, abrindo os planos, mostrando espaços vazios. Isto reforça a sensação de isolamento, além de aumentar a tensão do espectador. Isto porque estes espaços vazios deixam o espectador na expectativa de que eles sejam preenchidos por um perigo real, como o Sequestrador, ou um perigo sobrenatural, como visões e fantasmas. E é justamente neles que acontecem muitos dos jump scares ou das brincadeiras com foco e desfoque que vemos ao longo de O Telefone Preto.
O design de produção de Patti Podesta (Amnésia, Em Defesa de Jacob) também é um dos destaques. Ele é certeiro em trazer a atmosfera dos anos 70 e inserir a audiência neste contexto. Parte do que torna o filme charmoso está nesta ambientação. A trilha sonora também auxilia nesta construção, mas deixa a desejar. Há a inserção de algumas músicas para reforçar o clima setentista, como Sweet e Pink Floyd, mas acaba sendo redundante e óbvio. Já a trilha original de Mark Korven (A Bruxa, O Farol) é mais competente. Ela traz a tensão necessária para as cenas mas, por vezes, é discreta demais. Os momentos em que ela assume mais a frente, se destaca, como nos créditos iniciais ou nas cenas de mais ação física dos personagens, são mais interessantes. Talvez tê-la priorizado, ter reservado um protagonismo pra ela em mais cenas, teria dado mais força para o filme. Principalmente por se tratar de um longa de suspense e terror, gêneros que tem no som uma de suas maiores potências. Mas é importante também frisar que a mixagem de som de O Telefone Preto é bastante competente, pois consegue juntar todos os diferentes sons de forma coesa e criar as atmosferas necessárias para cada momento.
Infelizmente, a grande ideia de O Telefone Preto não dá todo o suporte necessário para o filme sem a ajuda de um roteiro ajustado. Isto porque os roteiristas Scott Derrickson e C. Robert Cargill (A Entidade, Doutor Estranho) não conseguem preencher as lacunas deixadas. Afinal, a história originalmente era um conto curto. E ao adaptá-lo para um longa surge a necessidade de enriquecer essa narrativa para justificar a grandiosidade proposta no audiovisual. Surgem, então, algumas subtramas para caminhar em paralelo, criar transições e acontecimentos simultâneos. Em O Telefone Preto, tudo isto é feito, mas o resultado final não é tão ajustado. O problema principal está no terceiro ato, já caminhando ao clímax do longa. As resoluções acabam não encaixando ou parecem convenientes e corridas.
É importante notar também que parte do público poderá se frustrar com O Telefone Preto. Mas isso não é bem um problema do filme – talvez do marketing. Para aqueles que quiserem um longa de terror mais convencional, focado em gerar sustos ou imagens aterrorizantes, O Telefone Preto será enfadonho ou até mesmo bobo, já que esse espectador irá ao cinema com a ideia de que o filme tem a obrigação de “deixá-lo com medo”. Por isso, o espectador médio do gênero, que gosta de filmes menos sutis, pra consumir de forma menos compromissada, ás vezes até em grupos de amigos, talvez não seja o mais indicado. Já para os fãs de terror e suspense O Telefone Preto será uma assistida interessante que, apesar de seus deslizes, oferece muito – e não seria exagero dizer que tem até a energia de um futuro clássico, tal qual A Entidade.
O minimalismo do filme, conceitualmente falando, só é possível graças ao espaço que se dá para que o elenco possa ser um destaque. O elenco infantil, de uma forma geral, tem ótimas construções. Esse mérito é também da direção de Scott Derrickson. O jovem Mason Thanes cumpre muito bem a sua função de protagonista. E não é um protagonista fácil. Finney é um personagem bem complexo e que traz diferentes emoções ao longo do filme. E boa parte destas emoções não são mostradas em um primeiro momento. Elas estão submersas, estão agindo por baixo do personagem, e nós vamos aos poucos desvendando-as junto com Finney.
O mais difícil ao dirigir um elenco infantil não é dar as instruções ou fazê-los entender o personagem, mas fazer de forma que não mate a espontaneidade da criança. E é ainda melhor se o diretor ou o preparador conseguir imaginar a potência das ações ou das falas do personagem preservando a naturalidade do modo de agir e pensar de uma criança. Confuso? Um exemplo. O jeito que um adulto entende o choro, a ação de chorar, é diferente da que uma criança entende. Então, se uma criança chora em cena é importante que esse choro não seja direcionado pela experiência de um adulto ou do que ele imagina ser o sentimento representado ali. Porque é possível que ele não se lembre mais de como é sentir e agir dentro deste contexto como uma criança, ou não tenha se atentado a isto, e está intuindo uma lógica que a criança não comporta. Ou, se comporta, não chega ao espectador pois não há mais verdade ali.
Quando acontece um bom encontro entre a atuação mirim e a direção é muito perceptível. E aqui em O Telefone Preto temos um bom exemplo disso. A jovem atriz Madeleine McGraw entrega uma grande personagem com Gwen. Ela consegue entregar camadas muito complexas, muito densas, sem nunca deixar de lado o brilho infantil e a lógica da criança. Em uma cena específica, uma surra, a garota entrega um dos melhores momentos do filme. É uma atuação muito vívida, muito verossímil e que chega no espectador com muita força. Os irmãos são os responsáveis por nos manter interessado pelo filme, por querer chegar no fim da melhor forma possível, com o mínimo de danos e com um final feliz. Isso é essencial em um filme como esse! Eles são o coração do filme e Thanes e McGraw entregam o que é necessário. Se continuarem evoluindo e a sorte ajudar podem se tornar grandes nomes da indústria no futuro.
Do elenco adulto, é preciso também elogiar Jeremy Davies, que interpreta o pai de Finney e Gwen. O ator consegue entregar uma performance muito rica, que dá possibilidades para enxergarmos seu personagem além do maniqueísmo. Mesmo sendo, de certa forma, um vilão, é impossível não o enxergar de forma humana. Isto só colabora para humanizar esta família e nos fazer buscar espelhamento em seus conflitos.
Já o grande foco, carro-chefe da comunicação oficial do filme, está em Ethan Hawke e seu antagonista, o Sequestrador. Apesar do marketing sempre ser algo perigoso, pois acaba influenciando o público e gerando expectativas que podem não ser atendidas, a atuação de Hawke e seu personagem são parte fundamental do filme sim. Talvez o público espere mais do que deveria, principalmente em tempo de tela. Porém, dentro do contexto, o personagem cumpre seu papel na narrativa. O Sequestrador é um clássico vilão de terror. Misterioso, imprevisível, com uma imagem forte e características únicas. E Hawke o torna muito mais interessante.
Econômico em seus gestos e falas, Hawke aposta na limpeza e precisão da atuação com máscaras – mais comum ao teatro e um dos principais estudos da formação do ator. É a máscara que guia a movimentação de seu personagem. É ela, também, que define sua personalidade. Marcante, o recurso da máscara feita pela lenda Tom Savini (artista responsável pela máscara de Jason e pela maquiagem em clássicos como Dawn e Day of the Dead) de permitir tirar e trocar diferentes partes cria um jogo interessante pra atuação. E Hawke utiliza muito bem estas possibilidades, fluindo entre diferentes formas de olhar, se movimentar e tons de voz para criar diferentes versões de uma mesma mente distorcida.
No fim, o saldo é muito positivo. O Sequestrador é um grande personagem e tem potencial pra entrar na lista de “monstros e vilões de terror moderno lembrados pelo público”. As lacunas que vemos aqui, no personagem e em O Telefone Preto como um todo, servem para nos instigar ou evitar de dar algumas respostas que nos faça racionalizar demais. Algumas são bem convenientes para o filme, é verdade, mas nada tão grave que possa ser visto como um desleixo. Olhando para O Telefone Preto, podemos dizer que algo mais pode ser extraído. O que foi criado, imageticamente falando, com a máscara de Savini, justificaria retornar a este mundo ficcional para poder desdobrar em algo mais. Talvez uma sequência… ou um prequel com a origem do Sequestrador… Um novo universo cinematográfico com telefones de outras cores… Nunca se sabe. Mas o que importa é que, individualmente, O Telefone Preto é um filme interessante e que, por si só, encerra em si mesmo. As lacunas intencionais que deixa não são mais interessantes que tudo aquilo que traz durante sua tensa exibição.
Enfim…
O Telefone Preto é uma boa pedida para os fãs de terror e suspense. O diretor Scott Derickson retorna ao terror revigorado e usa de uma boa ideia para falar sobre os anos 70 e sobre o lado mais feio da infância. Trauma, abusos, a dor do crescimento e da busca por uma identidade. Adaptação de um conto de Joe Hill, o longa tem sua potência na elegância de sua direção, em boas atuações e na imagem criada em torno do vilão Sequestrador – resultado do trabalho primoroso de Ethan Hawke e da máscara marcante criada pela lenda Tom Savini.
Provavelmente, O Telefone Preto vai ser frustrante para os espectadores que colocarem muitas expectativas nele ou que esperam algo muito assustador, chamativo. É um filme simples, talvez seus maiores deslizes se dão por conta disto, que foca em desenvolver seu horror além dos jump scares. Temos aqui uma história sobre abuso infantil. Os principais personagens aqui passam por isso, nos dão pistas de que isto os afetou. E são as diferentes respostas deles a esta violência que nos interessa, mais do que o sobrenatural.
O próprio Joe Hill tem um conto chamado Fantasmas do Século XX onde nos mostra uma visão sua sobre o medo pelas palavras de um personagem. Na história, o dono de um cinema relata sua experiência ao conversar com pessoas que dizem ter avistado um fantasma. Muitas vezes, as pessoas falavam sobre o medo que sentiram, como parecia irreal, como ninguém acreditaria no que elas viram. Exageravam a visão do fantasma, incluíam detalhes sangrentos e aterrorizantes. O dono do cinema sabia então que eles não tinham visto nada. Já os que saíam sem dizer nada, tropeçando e confusos, esses sim tinham visto algo sobrenatural. A cara deles denunciava que a realidade, naquele momento, tinha mudado, e essa era a expressão de alguém que tinha cruzado a linha entre o real e o impossível.
Talvez Telefone Preto seja um pouco disso. Você não vai sair do cinema crente que viu algo aterrorizante, sangrento e assumidamente horripilante. Mas vai sair ciente de que viu algo interessante, no limítrofe entre o real e a fantasia. Um medo muito menos racional, de ter medo porque precisa ter medo, mas porque há algo nas entrelinhas que, com um pouco mais de tempo de maturação, se revele como algo muito mais terrível. No fim, somos todos crianças traumatizadas esperando que alguém ligue para nós.