Crítica | Pinóquio por Guillermo Del Toro – Uma fábula docemente macabra.
Tem algo nos filmes do Guillermo Del Toro que encantam e deixam um gosto amargo, mas não que isso seja algo ruim, pelo contrário, Del Toro sabe bem como mesclar entre o agradável e o impactante em cada um de seus longas. Em Pinóquio, lançado pela Netflix, o diretor derruba todo o seu amor pela animação num longa que trata de assuntos sérios sem perder a doce ingenuidade de um menino de madeira.
Diferente da versão popularizada pela Disney, Del Toro toma liberdades criativas para que seu primeiro longa metragem animado – em stop motion diga-se de passagem – funcione da maneira correta. A base da história ainda segue a mesma: Geppetto, um pai que perdeu seu único filho e que com o desejo de poder passar mais um dia ao seu lado, esculpi um menino de madeira que acaba por ganhar vida e agora precisa se adaptar ao mundo que acabou de conhecer.
Desde seus minutos iniciais fica claro que essa história não será exatamente feliz, os roteiristas optam por mostrar mais do passado do Geppetto antes da criação de Pinóquio e tudo que levou esse novo universo a ser criado. Estrategicamente, isso só faz com que a sua curiosidade se aflore para ver uma velha história ser reescrita durante a Segunda Guerra Mundial, com grilos escritores e falantes ao lado de espíritos fantásticos.
E é muito interessante ver quem foi a pessoa escolhida por Del Toro para trabalhar ao seu lado nessa recontagem. Patrick McHale (O Segredo Além do Jardim), que já é acostumado com esse tipo de histórias, ao se juntar com um veterano de longa metragens que misturam fantasia com o macabro. Traz uma narrativa onde o infantil e horror se juntam para abusar da doçura do personagem chave e leva-lo a situações questionáveis onde tudo pode dar errado. Tudo misturado com um bom humor, drama e números musicais lindos.
Entre todas as versão do clássico de Carlo Collodi lançadas em 2022, Pinóquio por Guillermo Del Toro é de longe a mais original e bonita. A escolha em fazer um filme de Stop Motion foi certeira, cada mínimo detalhe foi pensado e colocado com muito carinho em seu devido lugar. Esteticamente falando arrisco dizer que este é um dos filmes mais bonitos lançados esse ano e definitivamente um dos mais bem cuidados.
Os detalhes nas ruas das cidades ou dentro de cada um dos cenários são deslumbrantes, os espíritos florestais são o ponto alto do filme, com suas cores absurdamente brilhantes onde cada aspecto de sua aparência merece ser apreciada se destaca dos outros personagens. O Grillo e o macaco Spazzatura (curiosamente dublado por Cate Blanchet) tem visuais interessantes e marcantes, assim como o próprio menino de madeira que chega numa versão diferente do que estamos acostumados, mas tão apaixonante quanto.
Já outro ponto alto fica por conta da trilha sonora. Alexandre Desplat, mais uma vez se vê ao lado de Del Toro e compõe uma trilha sonora melancolicamente animada e que contrasta totalmente com a ideia que o diretor que passar. As músicas cantadas também são lindíssimas, com menção honrosa a musica cantada pelo Grillo, ou melhor dizendo, pela musica que ele tenta cantar durante o filme inteiro.
Dentro de seus 30 anos de carreira sempre ficou bem claro como Del Toro luta contra o fascismo e não tem medo nenhum de deixar isso bem claro em seus longas. Com Pinóquio não é nada diferente, o diretor demonstra com de todas as formas o terror que era viver naqueles tempos de guerra e demonstrando a obediência cega do autoritarismo da pior forma possível. Onde claramente o amor de um pai pelo seu filho é infinitamente menor do que a de um homem pelo seu país.
A rebeldia de Pinóquio contra seu pai faz dele facilmente manipulável por ambas as partes que apenas querem usar de sua excentricidade para torna-lo em máquinas lucrativas. O dono do circo visa o dinheiro em sua mão e explora o garoto da pior maneira possível com mentiras e manipulações que o fazem acreditar que está ajudando o pobre pai em casa. Quando ao general visa o lucro em cima das mortes de seus inimigos as custas de uma “habilidade” do garoto.
A jornada do boneco de madeira não é fácil e pode terminar de maneira trágica, mas é isso que talvez faça com que essa fábula funcione tão bem dentro de sua proposta. Mesmo com um final amargamente doce, Pinóquio, demonstra que mesmo em meio a luta da sobrevivência, ainda precisamos ter esperança em meio aos tempos sombrios. Onde um simples ato – ou menino de madeira- pode mudar de vez a forma como vemos e vivemos nossos dias.
Guillermo Del Toro oficializa Pinóquio como um filme infantil, mas sem medo de abusar de seu famoso sistema macabro. Mostrando a animação, não como um gênero, mas uma linguagem e mais um meio de contar grandes histórias. Histórias essas que podem te fazer pensar, se angustiar e torcer por um boneco de madeira e que no final das contas, em meio a lagrimas, acreditar em um futuro de esperança.
Nota: 5/5