Uma carta de amor para ‘NieR: Automata’

Sabe, acho que já reescrevi esse primeiro parágrafo umas dez vezes a esse ponto do campeonato. Talvez uma das introduções mais difíceis de construir até hoje, em toda a minha vida. A verdade é que ‘NieR: Automata’ é um jogo que me tocou profundamente, tão profundamente a ponto de me fazer escrever uma carta de amor.

É isso mesmo, se você é um leitor veterano das minhas paradas, já deve saber mais ou menos as minhas preferências e costumes de reflexão que procuro exercer às minhas redações. Honestamente, esse texto é nada mais, nada menos, do que um profundo monólogo que andei regurgitando dentro de mim, durante todas essas últimas semanas que se passaram, após eu ter finalizado Automata pela primeira vez.

A dificuldade para introduzir isso não é por um acaso, afinal, a introdução é o instrumento para fisgar o leitor a continuar lendo o blá-blá-blá do escritor, isso quando não pulamos ela e, vamos para pontos específicos para arrancar informações que nos aparentam ser coerentes aos nossos objetivos e aspirações. Por fim, deixo aqui o convite para você, meu querido leitor, de explorar um pouco da minha experiência com a obra de Yoko Taro e talvez, caso você nunca tenha jogado o game, espero ter a possibilidade de plantar a semente da curiosidade, e fazê-lo experimentar a joia que é NieR: Automata.

Por onde eu começo?

Nier: Automata Game of the YoRHa Edition - Review - Portal do Nerd

Olha, eu sou um cara chato. Mas tipo, bem chato mesmo, sabe? Principalmente quando o assunto é vídeo-game, o pessoal desse site sabe muito bem disso. Sou sempre hiper-crítico, e odeio a monotonia atual do mercado de vídeo-games, onde as produtoras focam em diversas coisas, menos na parte de transformar seu produto numa feitura de amor genuíno de seus criadores.

Eu balbuciava frequentemente (e ainda faço) entre meus amigos, que ”não se faz mais jogos como antigamente”, e de certa forma, não estou errado. Os níveis de produção mudaram, o público mudou, o orçamento e as técnicas mudaram, é óbvio que não é mais como antigamente. Mas alguma coisa estava faltando nisso, ao menos para mim, eu jogava esses jogos, e um pedaço deles ficava dentro de mim, entende? Obras modernas já não tinham mais esse efeito em mim, até que NieR Automata se tornou uma das exceções.

Honestamente, eu poderia ficar horas e horas digitando incansavelmente sobre as qualidades de Automata, mas a verdade é que você provavelmente já leu ou ouviu isso em algum lugar, afinal, o jogo ta toda hora no ”top 10” de muitas pessoas. Existem milhares de temas legais para se conversar a respeito de Automata, e cada um deles é interessantíssimo para um outro artigo, mas não nesse, afinal, é uma carta de amor, lembra?

E pela minha seleção, decidi trazer a tona dois grandes temas que permeiam a obra do seu início ao fim, sendo eles o conceito de ”mortalidade””propósito”, conceitos esses que são os responsáveis pela minha recente epifania com a realidade e o mundo que vivo.

Você já agradeceu o fato de estar vivo?

Square Enix officially unveils Nier: Automata's Game of the YoRHa Edition | Eurogamer.net

Sabe, na dura realidade do mundo do século 21, acaba que, as vezes, nos falta motivo para crer que as coisas estão indo bem, né? Não falo isso de uma forma niilista (niilismo longe de mim), mas numa perspectiva realista mesmo, afinal, a internet é um ambiente perfeito para desenvolver transtornos de ansiedade e depressão.

Alguma coisa desperta o interesse dos algoritmos de notícia, principalmente em redes sociais, pra jogar só as bombas e a negatividade do mundo na nossa cara, e querendo ou não, a gente tem que encarar a realidade mesmo, mas acho que a internet nos expõe demais para apenas o lado ruim da coisa.

No mundo de NieR: Automata, nós nos deparamos com uma realidade e um mundo pós-apocalíptico não tão conveniente para esbanjar otimismo e positividade, mas por algum motivo, ao entrar no mundo da obra, sou atingido por um tiro carregado de esperança e euforia.

Não sei descrever em apenas uma palavra a sensação, mas NieR Automata me traz a sensação de conforto, a sensação de ter forças para alcançar o impossível, me faz estar feliz por estar vivo. Feliz por estar vivo, e estar jogando uma obra tão complexa e interessante como esse vídeo-game, feliz por estar vivo e compreender a importância e significado daqueles que amo, e feliz por ainda poder ter a possibilidade de compartilhar minha felicidade com meus amados e amadas. A luz do propósito me iluminou, e como o artista que eu sou, eu com certeza estou inquieto por dentro, desde que aqueles créditos rolaram na minha televisão.

O prazer de encontrar validação na sua existência, é algo estranho de descrever. Afinal, parece até meio mórbido e pessimista o que irei falar, mas antes de jogar Automata, eu não entendia o peso e valor de minha vida. Não entendia o peso e valor de minhas conexões, de minhas experiências, das minhas memórias e conhecimentos.

Yoko Taro é um gênio na arte de despertar sentimentos naqueles que consomem de sua arte, e é claro para mim e todos que jogaram, que existe um pedaço da alma do diretor naquele joguinho. Muito mais que isso, o jogo é um pedaço da nossa realidade, que valida um espaço eterno do autor, na mente e corações daqueles que foram afetados por suas palavras e decisões. E engraçado pensar que, talvez, isso só foi possível porque NieR Automata é um vídeo-game, e eu juro por tudo que é sagrado, que se a obra não fosse uma mídia de vídeo-game, ela provavelmente não teria tido o mesmo peso que teve em minha vida.

”Felicidade só é verdadeira quando compartilhada”

NieR: Automata Ver1.1a' is already the must-watch anime of the season

Vira e mexe, eu volto a refletir sobre essa frase. Deixada para nós, como talvez, as últimas palavras de Christopher McCandless, esse pequeno trecho escrito na borda de um livro, me faz refletir sobre a minha humanidade e meu propósito.

A vida é muito curta e muito cruel, por conta disso tentamos encontrar ferramentas ou caminhos para encarar ela. Alguns procuram encosto e segurança nos vícios, outros procuram a validação nos pequenos prazeres da vida, e alguns restantes, nos grandes prazeres da vida. Eu gosto de pensar que, ter a possibilidade de compartilhar aquilo que lhe faz feliz, é um dos grandes prazeres da vida. E ter a possibilidade de transformar o mundo e as outras pessoas, através dessa sua felicidade, é com certeza uma dádiva que poucos conseguem experimentar.

Yoko Taro e McCandless talvez tenham atingido essa proeza, tocaram profundamente no existencialismo do meu ser, que me obrigaram a descrever essa sensação complexa e abstrata, num texto medíocre como esse, para talvez apenas dez ou quinze pessoas terem lido até o final. Mas quer saber? Está tudo bem, afinal, o que importa é eu estar tendo a possibilidade de compartilhar essa felicidade.

Refletir, até mesmo sobre aquilo que é ruim, é sempre bom

Obrigado, NieR: Automata

Obrigado, NieR: Automata

A esse ponto do texto, começo a procurar palavras para tentar concluir minhas ideias e fundamentos com tudo isso, mas a verdade é que elas não existem. No fundo, existe um mix de melancolia e frustração por saber que nunca mais jogarei algo como NieR Automata, mas existe felicidade também.

Não só a felicidade por estar vivo para sentir tudo isso, e ter encontrado ”propósito” nessa curta vida, mas felicidade por desfrutar de um sentimento ”ruim”, o qual pertence ao nosso conceito de desenvolvimento de ”humanidade”, fazendo-nos crescer por dentro na medida que amadurecemos.

Um conjunto de coisas toca na minha mente, não apenas as tracks de Keiichi Okabe (o qual possuí um artigo muito bom sobre a sua importância e peso para a série aqui), mas também um loop de memórias na qual caço experiências, para poder traduzir em palavras para esse texto, o que está sendo uma tarefa muito difícil.

No fim, a série NieR é sobre muitas coisas, e sobre nada, porém, sobre tudo ao mesmo tempo. É um composto de sentimentos, que procura menos em dar fundamento para um universo fictício de personagens, mas sim em explorar a fundo os conceitos de humanidade e existencialismo daqueles que experimentam a obra. NieR, curiosamente, me fez uma pessoa melhor, e espero que vocês, meus queridos leitores, possam ter a mesma epifania em algum momento de suas respectivas vidas.