Crítica | A Mulher que Fugiu

A Mulher que Fugiu (2020) é um filme escrito e dirigido pelo cineasta sul-coreano Hong Sang-soo, que estreou nos cinemas brasileiros em 10 de fevereiro de 2021 – minha experiência com o título foi na agradável Cinemateca Paulo Amorim, em Porto Alegre (RS). Com duração de 77 minutos, o filme retrata Gam-hee (interpretada por Kim Min-hee), uma mulher que vagueia despretensiosamente e encontra algumas pessoas conhecidas após seu marido viajar a trabalho. A própria narrativa descompromissada é uma marca do diretor Hong Sang-soo, que, na maioria de seus filmes, retrata personagens vivendo o acaso cotidiano e ocultando seus conflitos internos, similar em certo sentido a Roda do Destino (2021).

Esse estilo é intencionalmente inspirado nos filmes do diretor francês Éric Rohmer, tanto no enquadramento das câmeras e nos zooms quanto na forma aberta da narrativa, que faz bom uso de improvisação. No entanto, há algo nos filmes de Hong Sang-soo que só faz sentido ao analisarmos seu histórico como diretor e pessoa – muitas vezes retratando acontecimentos controversos de sua vida pessoal. Em A Mulher que Fugiu, sente-se que o próprio diretor se afastou um pouco dos dramas pessoais de sua vida representados em Certo Agora, Errado Antes (2015) e Na Praia à Noite Sozinha (2017), nos quais os personagens são movidos por conflitos que atingem o clímax de externalização.

A fuga do cotidiano e o autoconhecimento

Nesse filme, o que impulsiona a personagem de Kim é algo completamente internalizado, mas que vamos descobrindo conforme a linguagem nos sugere em suas interações. O fato de a personagem sair sem rumo está intimamente relacionado ao seu casamento de 5 anos, no qual ela e seu marido passam todos os dias juntos. O episódio acaba sendo uma redescoberta de sua própria solidão, onde ela se reconhece tanto na bela vista de um apartamento quanto na ida ao cinema onde come um sanduíche escondida.

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A verdade é que buscar sentido e motivações em um filme de Hong Sang-soo é algo posterior à experiência de assisti-lo, visto que o prazer de assistir está em acompanhar diálogos despreocupados e rotineiros que revelam certos aspectos da história, mas nos encantam por não se limitarem apenas a isso, abrindo espaço para especulações sobre as particularidades dos personagens. Seu próprio método de escrita e produção é carregado de improvisação, bem como de um humor sutil que transparece sinceridade muitas vezes com um tom tragicômico.

A Mulher que Fugiu retrata o conforto de estar sem rumo

Assistir A Mulher que Fugiu nos cinemas garante, pelo menos, uma estética linda de ser apreciada. Cenários reconfortantes, como cafés, salas de estar e cinemas, carregam cores suaves e luzes sutis, nos imergindo em um ambiente de relaxamento e contemplação. O mesmo se aplica à trilha sonora original produzida por Hong Sang-soo, que é pouco utilizada, mas se afasta das orquestras clássicas de seus outros títulos. Os próprios sons possuem uma produção lo-fi e uma atmosfera quase dreampop, bem reverberada. 

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Não há maneiras de definir A Mulher que Fugiu (2020), pois trata-se de uma experiência particularmente aberta que abraça sua subjetividade. O caráter artístico da obra de Hong Sang-soo nos desvincula de modelos narrativos mais convencionais e roteiros calculados, retratando de forma mais ampla uma história, um personagem ou uma situação. São casualidades que se entrelaçam de forma curiosa e abrem margem para um mistério existencial que não requer uma resolução. Há qualidade e harmonia na atuação, nos cenários, na narrativa e na estética, com uma aparente influência do cinema europeu e dentro de uma montagem técnica contida e econômica, diferenciando-se das produções sul-coreanas que ganharam destaque nos últimos anos.