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Crítica | Roda do Destino

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Cinema

Crítica | Roda do Destino

Roda do Destino estreia nos cinemas brasileiros em 2022 com uma narrativa cativante e estranhamente confortável.

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Lançado em 6 de janeiro, Roda do Destino (2021) é um longa dirigido por Ryusuke Hamaguchi, diretor japonês responsável por filmes como Happy Hour (2015), Asako I & II (2018) e o premiado Drive My Car (2021). Roda do Destino se mostra como um projeto mais leve, um drama, que tem como objetivo trazer três histórias diferentes situadas no Japão, mas que de certa forma se relacionam através do mistério do acaso. Para aqueles que conhecem o diretor, sabem que ele tem um estilo único de retratar o amor como um riacho sujo, mas ao mesmo tempo belo. Neste filme, Ryusuke usa sua abordagem ambivalente dos sentimentos para falar sobre romance, literatura, memória e outros assuntos.

Roda do Destino gira em torno de ambições aleatórias que coincidem

O primeiro conto, chamado Magia (ou algo parecido), retrata a vida de duas colegas de trabalho, Meiko (Kotone Furukawa) e Tsugumi (Hyunri). Tsugumi conta para Meiko que está saindo com um homem, e pela descrição, Meiko percebe que a pessoa em questão é seu ex-namorado, com o qual não teve um término muito agradável. Esse relato se baseia em coincidências estranhas e improváveis da vida, que acabam levando a acontecimentos, conversas e reflexões. O que ocorre nessa breve história é o encontro da figura egoísta e arrependida de Meiko com o ex-namorado ainda apaixonado, Kazuaki (Ayumu Nakajima), que são interligados pelo acaso representado em Tsugumi – inicialmente uma possibilidade de recomeço para Kazuaki, mas que agora é a própria ponte para que ele enfrente seu passado. 

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As motivações e o passado de Meiko são centrais no primeiro conto.  

Nesta primeira história, a ambientação é muito familiar, mostrando que o acaso não é usado apenas para impulsionar a história, revelando um cenário comum ao mostrar o fim de um dia de trabalho através das luzes da noite, em uma cidade cheia de prédios. O que vemos também é influenciado pelo acaso ao encararmos as imagens da cidade, fazendo com que encontremos imagens pessoais comparativas, ocasionalmente semelhantes. Esse visual sensível serve de pano de fundo para os diálogos que costuram a história. E é no final que temos uma cena que caracteriza o nome do conto, e que me remeteu aos melhores momentos dos personagens do diretor coreano Hong Sang-soo –em seus momentos de sinceridade. 

O texto ganha importância em discussões temáticas e sociais

A segunda história, chamada Porta Escancarada, relata dois universitários, Sasaki (Shouma Kai) e Nao (Katsuki Mori), que armam um plano para seduzir e expor o professor Segawa (Kiyohiko Shibukawa). Nesse conto, o professor ganha um prêmio importante com o lançamento de seu livro, após anos sem conseguir escrever. Nao tenta se aproximar dele abordando sua obra para ajudar Sasaki, mas acaba levantando outras questões não planejadas. Aqui, o rumo da história embarca também em assuntos românticos, mas se torna mais excêntrico, ganhando novas camadas ao abordar o erotismo presente na literatura de Segawa.   

nao

Um dos assuntos no segundo conto retrata como as particularidades pessoais são encaradas pela sociedade.

Através da leitura de passagens eróticas, Nao tenta deixar Segawa vulnerável, mas no fim, ambos acabam interpretando e comentando as passagens ao mesmo tempo em que interpretam e comentam seus próprios jeitos e personalidades. É um exercício de leitura e interpretação que lembra uma cena específica de Happy Hour (2015) e que revela também a literatura como objeto importante na compreensão dos filmes de Ryusuke. Por fim, o acaso que abala essa história surge 5 anos depois, após uma cena em que gostaríamos de chamar a atenção da personagem através da tela do cinema – no meu caso, da Cinemateca Paulo Amorim.

O ápice rohmeriano de Hamaguchi

O último caso contado, Mais Uma Vez, é protagonizado por duas personagens, Moka (Fusako Urabe) e Nana (Aoba Kawai), mostrando como a perspectiva feminina é outro pilar no enlace dessa antologia. Basicamente, as duas personagens se encontram numa escada rolante após muitos anos e decidem tomar um chá na casa de Nana para colocar o assunto em dia. Ao chegarem lá, ambas descobrem que uma não é quem a outra achava e que na verdade não se conhecem. Para não fazerem desfeita do encontro, as personagens decidem interpretar as pessoas com as quais foram confundidas e tentam dar uma conclusão para suas histórias do passado.   

Das três histórias, essa última foi a que mais me surpreendeu e agradou, até pela ideia distópica de que nessa realidade existe um vírus sem solução que envia arquivos pessoais das pessoas aleatoriamente por e-mail, fazendo com que o mundo digital fosse renunciado e as pessoas voltassem a se comunicar por cartas. Por mais que essa ideia esteja em segundo plano, acaba sendo impressa na necessidade de ambas as personagens se comunicarem com essas pessoas do passado, nem que seja de forma meramente interpretativa. Além disso, encontrar pessoas parecidas com outras é algo tão comum e imaginável que ressalta a genialidade do cenário inusitado.  

Além da situação incomum, a terceira história conta com um bom humor.

Roda do Destino (2021) é uma obra aparentemente simples, mas profunda em suas nuances. É possível notar habilidade no contar das histórias breves com premissas esquisitas, que se camuflam na realidade através do visual urbano ameno do Japão, colorido em tons pastéis. É aquele tipo de longa que assistimos de forma despretensiosa e acabamos nos deparando com contos extremamente agradáveis de serem acompanhados e que, em suas intenções aparentemente exclusivas, acabam falando sobre uma diversidade de assuntos. Roda do Destino é lançado no mesmo ano de Drive My Car (2021), mas se mostra à parte desse outro longa, traçando um caminho próprio e tendo êxito como uma brilhante antologia que oscila entre a passividade e a complexidade temática, num fluxo que ganha rumos pelo acaso, pela coincidência e pelo mistério que paira entre uma coisa e outra.

 

Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.

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