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Crítica | Asako I & II

Asako I & II

Cinema

Crítica | Asako I & II

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Asako I & II (2018) é um filme dirigido por Ryusuke Hamaguchi, com roteiro adaptado do conto da escritora Tomoka Shibasaki. Sua história é dividida em duas partes, a primeira mostra a jovem Asako (Erika Karata) se apaixonando pelo seu primeiro namorado, Baku (Masahiro Higashide), que costuma sumir de vez em quando, até o momento em que desaparece para sempre. A segunda parte ocorre dois anos depois, quando Asako se apaixona por Ryohei (Masahiro Higashide), um publicitário que é idêntico ao Baku. O mesmo ator faz ambos papéis nessa premissa misteriosa e instigante.  

Antes de tudo, uma breve comparação

Um aspecto que me desperta curiosidade sobre dois dos meus diretores contemporâneos favoritos é a clara influência rohmeriana na atmosfera de seus filmes. Aqui, me refiro ao Hong Sang-soo – em vias de comparação – e ao Ryusuke Hamaguchi. A questão é que ambos utilizam o acaso como condicionante de um teor mágico nas suas obras. Isso, em filmes que normalmente não apelam para elementos metafísicos, realidades oníricas ou subtextos mitológicos.  

Hong Sang-soo é um naturalista, faz filmes onde as relações se desenrolam de forma despretensiosa em casos que oscilam entre o constrangedor e o cômico. Tudo isso em ambientações estáticas, não tão exploradas visualmente, e que nem sempre se abrem para um diálogo com o espectador, e sim o conforta, ao mesmo tempo que funciona como um confronto – ou um escape – do diretor com sua própria vida polêmica. 

Já Ryusuke Hamaguchi é um realista, e mostra uma intenção trágica ao retratar as relações humanas, ainda que busque resgatar a fé nos convívios através do confronto direto com a realidade. O uso do ambiente por Ryusuke é sensível, aprofundado e complementar a potência das suas narrativas, fazendo com que os cenários falem tanto quanto os próprios personagens, e levem o espectador a confrontar a realidade também. No caso do filme comentado aqui, ainda há o caso extraconjugal entre os atores que fazem o casal principal, permitindo uma outra relação com a realidade. 

Asako I & II confronta um dualismo amoroso através do espaço

Pensando na filmografia de Hamaguchi, esse filme não se propõe a ser uma obra reflexivamente visceral como Drive My Car (2021), despretensiosa como Roda do Destino (2021) ou extensa como Happy Hour (2015). Ao contrário, ele se propõe apenas a ser uma história de amor(es). Toda substância discorrida mora num amor que se desenvolve, ou naquilo que se desenvolve, mas se esconde – pensando na Asako.  

Às vezes, ficamos tão presos a coincidência bizarra das aparências idênticas de Baku e Ryohei, mas que são tão distintos em suas personalidades, sendo um deles jovem, livre e despreocupado com a vida, e o outro um adulto, responsável e focado no momento, que esquecemos o dualismo psicológico que se constrói na cabeça de Asako. Não é à toa, a personagem é extremamente quieta, introspectiva e foge da nossa atenção no decorrer do longa. Porém, Asako é o próprio elo confuso que possibilita o desenrolar da história.  

Um dos fatores tristes é que não existe uma tradução do conto no qual o filme é baseado. Talvez ele trouxesse uma outra perspectiva do background de cada personagem, que é explorado de forma sutil por Ryusuke Hamaguchi – intensificando o mistério -, como a relação de Baku com seu pai hospitalizado. Claro que, quanto mais vezes assistimos o filme, mais dimensões ele vai ganhando, e percebemos elementos formadores de um sentido que, para muitos, vai parecer inexistente numa primeira assistida.  

Como eu mencionei na introdução dessa crítica ao falar sobre o realismo, o espaço é um fator-chave para compreendermos cada vez mais o filme. É no olhar para as paisagens, ou o retorno a certos locais, que faz com que os personagens confrontem – ou retomem – os seus medos. Existe uma relação entre as mudanças que ocorrem em Asako quando ela encara a praia num tempo sombrio, ou até quando vemos a vida dela na sua cidade natal. 

Em sintonia com os cenários, a trilha sonora é única e específica nos seus timbres. Salienta muito o clima misterioso – e moderno – criado. Destaque para seu uso na excepcional cena de abertura do filme, que mostra Asako e Baku se encontrando pela primeira vez no Museu Nacional de Arte de Osaka. Também, a trilha tema do filme, da artista francesa Juliette Armanet, com versões em japonês e francês. Já que falamos em arte, esse é outro aspecto que acrescenta elementos na percepção sobre o filme — como quando Asako analisa uma exposição fotográfica e parece identificar sua própria divisão intrínseca.  

Um amor de raízes obscuras

Um ponto curioso é o gato Jintan, da Asako. Ele é muito fofo, e muitas vezes complementa o calor do afeto entre Asako e Ryohei. O casal de amigos de ambos também é ótimo, em suas desavenças e acertos, eles servem como um ponto de comparação entre os casais – e por acaso evocam a figura de Tchekhov, tão relevante em Drive My Car (2021). Já os amigos de Asako na época de Baku, revelam-se como a transformação de um passado já distante, ou, parafraseando e adaptando Amor à Flor da Pele (2000), “um passado visto de uma janela empoeirada, que ela pode ver, mas não tocar”. 

asako I & II praia

Por fim, vale-se afirmar que Asako I & II (2018) é um acalento em imagens, mas desnorteante no seu rumo. Entre enchentes e terremotos, a realidade documental do repertório de Ryusuke Hamaguchi serve como meio de abalar a concepção de amor, trazendo o acaso rohmeriano como condicionante de uma atmosfera misteriosa em uma narrativa dura. Os indícios do filme moram no interior de cada personagem, que enxergam seus atuais estados de espírito espelhados em ambientes e cenários específicos, e através disso a câmera surge como algo que não apenas registra, mas que conta muita coisa. 

Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.

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