Entrevista | Luisa Palomanes conta sobre regulamentação de IA na dublagem

“Uma das motivações da dublagem viva foi devido ao fato do avanço estrondoso da Inteligência Artificial, querendo substituir, mais uma vez, o trabalho do ser humano. Querendo substituir até a arte e as emoções.” Conta Luisa Palomanes, mais conhecida por ser a voz brasileira de personagens amados pelo público como Hermione Granger (Emma Watson) de Harry Potter, Docinho de As Meninas Super Poderosas, Estelar dos Jovens Titãs e a Mérida de Valente.

Além de Luisa, outros dubladores como Wendel Bezerra, Flora Paulita, Ricardo Juarez e Christiane Monteiro também se uniram na campanha que vem ganhando força nas últimas semanas nas redes sociais, buscando a regulamentação do uso de IA no mercado de trabalho. O movimento “Dublagem Viva” visa “equilibrar os avanços tecnológicos com a preservação de empregos e garantir a qualidade da dublagem, mantendo o respeito aos profissionais e à indústria audiovisual, que possui imensa cadeia produtiva“.

Conversei com a Luisa Palomanes, que explicou mais sobre o movimento.

Qual foi a principal motivação para criar o movimento “Dublagem Viva” e buscar a regulamentação do uso de inteligência artificial na dublagem?

Uma das motivações da dublagem viva foi devido ao avanço estrondoso da IA, que quer substituir, mais uma vez, o trabalho humano, inclusive a arte e as emoções. Já estão vendendo pacotes com nossas vozes, prontos para serem usados por aí, sem nosso consentimento ou aprovação. Isso só para começar, porque a ideia mesmo é baratear sempre o produto final e esmagar o trabalhador.

A greve dos atores e roteiristas de Hollywood ajudou na criação do movimento no Brasil?

A greve lá fora mexeu com todo mundo aqui no Brasil, claro. Além de termos ficado com o trabalho reduzido por conta da greve em si, ainda estamos mundialmente apavorados com esse crescimento exponencial e, infelizmente, sem ética da IA. Essa mobilização mundial não é só dos atores, mas de todos os trabalhadores envolvidos de alguma forma no audiovisual e se sentem ameaçados pela IA. Acho que essa união, essa mobilização, é um caminho possível e necessário para mudar alguma coisa.

O manifesto do movimento pede a regulamentação do uso de IA. Quais são as propostas específicas para essa regulamentação?

Sobre as propostas específicas para a regulamentação e melhores informações sugiro entrar em contato com contato@dublagemviva.com.br, pois ainda estamos engatinhando nessas conquistas, e tudo está acontecendo muito rápido e ao mesmo tempo. Prefiro encaminhar essa pergunta para quem realmente vai poder esclarecê-la.

A IA dificilmente irá conseguir emular as emoções humanas, que tanto fazem da dublagem brasileira um marco, mas teria alguma alternativa ética onde o uso dela seria aceitável?

Eu não entendo muito de ia, pra falar a verdade, mas o que vejo por aí é espantoso. Tem gente morta revivendo em propaganda de carro. A questão é, mesmo que a IA seja capaz de emular emoções, estamos falando de arte, estamos falando de trabalho artesanal, com vida! E até onde sei IA ainda não tem sangue, não tem coração. Não tem alma.

Sobre o futuro disso tudo, de até onde vai à perfeição da IA em relação à emulação de emoções, não sei o que dizer. Não tenho como prever, mas esperamos que o próprio público não aceite que seus filmes sejam dublados por algo, e sim por alguém de verdade, um ator, uma atriz, que é o que somos.

Só consigo ver a ia sendo usada de forma ética a partir do momento que as regulamentações, por parte dos trabalhadores, sejam atendidas e a partir do momento que ela (a IA) seja apenas uma ferramenta pra auxiliar. E não uma deusa poderosa e criadora.

Ainda acrescento que se o consumidor de conteúdo audiovisual, que vai ao cinema, por exemplo, está pensando que esse barateamento da produção será repassado pra ele, a reflexão que deixo é: seu estacionamento ficou mais barato depois que substituíram pessoas por máquinas? Os ônibus ficaram mais baratos depois que substituíram os cobradores? Não. Então quem lucra com isso?

Num vídeo postado por Wendel Bezerra em seu Tiktok, o responsável pela voz do Goku e Bob Esponja, conta um pouco mais sobre o porque da importância da campanha, confira abaixo:

@tiowendelDubalgem Viva é um movimento criado para valorizar a dublagem de verdade, que vai muito além do que vcs ouvem!♬ som original – Wendel Bezerra

O que os dubladores esperam?

A “Dublagem Viva” pede para certas regras serem cumpridas visando que o avanço tecnológico preserve empregos e garanta a qualidade da dublagem. Destacando inclusive que, é função dos artistas vocais dar autenticidade à versão dublada das produções e adaptar os personagens à cultura e ao contexto de cada país. Entre os limites para o uso de inteligência artificial, estão:

• Que a IA não seja usada para reproduzir vozes de atores em outros idiomas para o português, para substituir os dubladores;
• Que o uso de IA na dublagem esteja em conformidade com as leis de direitos autorais, os contratos de trabalho e os acordos estabelecidos com os detentores dos direitos;
• Que a IA não seja usada para promover ou perpetuar estereótipos, discriminação racial, étnica, de gênero ou qualquer forma de discriminação e preconceito;
• Que a regulamentação seja elaborada abrangentemente e consulte todos os envolvidos no setor, incluindo profissionais da dublagem, estúdios de produção, detentores de direitos autorais, especialistas e sociedade civil.

Clique aqui para ler o manifesto completo.