Análises
Análise | Blazing Chrome – Nada Como o Aroma de Robô Tostado Pela Manhã
Por
Blazing Chrome, assim como os outros jogos da JoyMasher – estúdio baseado em Curitiba que tem consistentemente lançado jogos com apelo aos jogadores dos anos 80 e 90, visando proporcionar experiências familiares a este público – é diferente de boa parte dos jogos “pseudo-retro” que são lançados aos montes no mercado com certa frequência. Seus jogos visam trazer de volta não apenas o “look“, mas também o “feel” dos jogos de ação das gerações 8 e 16-bit, respeitando as convenções do gênero, o gameplay e especialmente o nível de desafio.
Depois de Oniken e Odallus: The Dark Call, o estúdio capitaneado por Danilo Dias e Thais Weiller nos apresenta Blazing Chrome, um Run ‘n Gun inspirado em Contra: Hard Corps e Metal Slug, com um pouco de Mega Man X, Gunstar Heroes e umas pitadas de Battletoads, que nos entrega a sensação de jogar um clássico dos arcades em casa. E quando digo “clássico” é pelo fato de Blazing Chrome ser um daqueles poucos jogos que se encaixam na categoria “clássico instantâneo”, e também por ser um jogo que, se tivesse sido lançado em meados dos anos 90, seria citado hoje pelos jogadores com a mesma nostalgia e carinho com que se referem a Metal Slug.
No ano 21xx, após quase extinguir a raça humana, as máquinas dominam o mundo e apenas uns poucos grupos de humanos resistem à ameaça de metal. Mavra, uma humana mais durona que Ellen Ripley, de Alien, e Doyle, um robô de moicano que foi reprogramado pela resistência, são os personagens inicialmente jogáveis, que saem numa missão suicida para conter o avanço das máquinas, armados até os dentes.
Em termos de gameplay, Mavra e Doyle funcionam de modo idêntico, inicialmente armados com uma metralhadora, um ataque corpo-a-corpo (que causa bastante dano e é capaz de “rebater” granadas) e um rolamento rápido, além de obviamente poderem se deitar no chão (exatamente como em Contra) e de pular. Durante o jogo, Mavra e Doyle vão encontrar outras três armas: um lançador de granadas, lento mas poderoso; um rifle de partículas, cujo tiro pode ser carregado para formar um laser devastador; e um tipo de chicote de energia, que causa mais dano em seu alcance máximo e pode recolher itens em lugares inacessíveis ao jogador. Além das armas, há um segundo tipo de Power-Up, que lembra bastante os de Tokkyuu Shirei Solbrain, do Famicom (lançado como Shatterhand no NES), em forma de três pequenos robôs, cada um com uma habilidade diferente. O robô de ataque simplesmente flutua a seu lado, disparando automaticamente contra os alvos usando a mesma metralhadora básica com a qual os personagens começam o jogo. O robô de defesa consiste em dois pequenos drones que flutuam em movimento circular em volta do personagem, conferindo proteção a até dois ataques, sendo possivelmente o mais útil em toda a campanha. E por último, o robô de velocidade, que aumenta sua velocidade de deslocamento e lhe confere a habilidade de pulo duplo. Tanto os robôs de suporte quanto as armas são perdidas quando se morre, mas no caso das armas, você perde apenas a arma que estava equipada quando morreu, de forma que é possível preservar uma arma de forma estratégica.
O jogo possui três níveis de dificuldade (um deles não está disponível até que se termine o jogo) e seis longas fases, divididas por checkpoints e com três variações de estilo de gameplay, incluindo duas seções que remetem ao Turbo Tunnel de Battletoads e à fase do Frost Man, de Mega Man 8, e uma seção de jetpack que me lembrou um misto de Space Harrier com Sewer Shark. O jogo é desafiador, mesmo para quem está habituado a todos os jogos citados até aqui. No entanto, apesar de ter umas surpresas meio sórdidas, não chega a ser injusto como Metal Slug 2 ou Contra 3, e suas 5 vidas e continues infinitos (além dos já mencionados checkpoints) no nível Normal são suficientes para terminar o game. Como todos os jogos de ação desse tipo e da época em que ele se inspira, Blazing Chrome é um tanto quanto Mega Man ou mesmo Ninja Gaiden: quer seu respeito e sua dedicação. Se você jogar, prestando atenção ao level design (brilhante, por sinal) e entender que aprender com os erros é parte do jogo, você certamente vai conseguir chegar ao final.
Falando sobre o final, ao terminar o jogo, a dificuldade Hardcore (equivalente ao nível difícil) é desbloqueada, juntamente com os modos Boss Rush e Espelho (em que as fases são jogadas da direita para a esquerda), além de dois personagens: o ninja Raijin e a ciborgue Suhaila, que não usam armas de longo alcance, mas possuem um dash aéreo e um ataque especial, que possui maior alcance que o ataque padrão, efetivamente transformando o gameplay para algo similar à Strider. Dessa forma, mesmo com apenas seis fases (que são bem longas, é sempre bom lembrar), Blazing Chrome oferece bastante conteúdo e valor de replay pra um jogo desse gênero, com um excelente potencial para speedrunning. Apesar de ter jogado sozinho, assisti um gameplay em modo cooperativo (o jogo oferece apenas suporte a multiplayer local, independente da plataforma) e como já imaginava, o jogo fica substancialmente mais fácil (e divertido) jogando dessa forma.
Falando agora da parte técnica: a trilha sonora é incrível, destaque para a música da quinta fase, e claro, para a música de encerramento do jogo, The Danger, da Kristine, que é a cereja desse bolo oitentista. Além da trilha sonora ser muito boa, compõe muito bem o tom e a atmosfera de cada fase e situação do jogo, exatamente como uma boa trilha sonora deve fazer. Os gráficos são fantásticos, e mostram a constante evolução da habilidade de Danilo Dias na arte de transformar pixels em obras de arte, contando com efeitos que simulam o Mode 7 presente em diversos jogos do Super Nintendo, além de outros efeitos mais avançados que são algumas das “liberdades artísticas” mais modernas que diferem Blazing Chrome de jogos da época na qual se inspira. A jogabilidade é ótima na absoluta maioria do tempo, e há apenas algumas coisas que me incomodaram (quase todas já estão sendo corrigidas e em breve serão disponibilizadas através de uma atualização, segundo a resposta que tive de Danilo): na versão atual do jogo, o rolamento consiste numa combinação de apertar o botão de pulo e o direcional para baixo ao mesmo tempo, o que invariavelmente acaba resultando ou em rolamentos involuntários quando se quer pular (enquanto atira para baixo) ou em pulos quando se quer rolar. Segundo Danilo, o rolamento será atrelado a um único botão na atualização vindoura. O outro problema – este bem menos comum – envolve o ataque corpo-a-corpo, que eu particularmente preferia que fosse atrelado a um botão próprio, ao invés de ser um comando contextual, mas pelo que me foi explicado, modificar isso seria inviável pois alteraria a forma com o ataque funciona. Ainda sobre a atualização, Danilo postou no Twitter, que o rolamento vai receber alguns frames de invulnerabilidade (os chamados “iFrames”), aumentando sua utilidade como manobra evasiva, de modo a funcionar como o rolamento em Shock Troopers.
Disponível no Playstation 4, Nintendo Switch, PC (Steam e Windows Store) e Xbox One (nesses dois últimos, gratuitamente caso seja assinante do Xbox Game Pass para PC ou Xbox Game Pass respectivamente), Blazing Chrome não é apenas um dos melhores jogos indie dos últimos anos, ou um dos melhores jogos nacionais de todos os tempos. Blazing Chrome è uma ode à jogos de um gênero, que mesmo não sendo tão popular como antes, ainda é extremamente divertido. É também uma ode à uma época, estética e estilo que continuam se reinventando e se mantendo atual, em um período em que o termo “Retro-Futurista” vai além de um conceito e se torna cada vez mais um retrato fiel do atual mercado de entretenimento, buscando resgatar o que os anos 80 e 90 tinham de melhor, adicionando uma coisa aqui e outra ali, em que o velho é novo outra vez.
Este review foi feito no PC com uma cópia gentilmente cedida pela JoyMasher.
Jogo os jogos que você não conhece e os que já esqueceu que existem. Sou fascinado pelo Famicom e meu forte são retrocoisas. Escrevo sobre joguinhos no Torre de Controle. Falo sobre jogos e NFL no meu Twitter @ramidraws. Don't Believe the Hype!