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Torre do Terror – A Bruxa: o medo e a expectativa

Thomasin

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Torre do Terror – A Bruxa: o medo e a expectativa

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*Texto com PEQUENOS spoilers

Esse mês será recheado com conteúdos da Torre do Terror e esse texto vai abrir a porteira. Mas primeiro, quero deixar claro que ainda não tenho uma bagagem tão grande no gênero. E talvez essa seja uma perspectiva interessante de ser acompanhada por aqueles com mais vivência nas trevas.

Por boa parte da minha vida, não fui lá muito chegado ao terror. A ideia de gostar de sentir medo não fazia sentido para mim. Porém, em certo momento entrei em uma onda de tentar o novo, mergulhar no desconhecido. Bem naquela vibe Edson Marques, sabe? Então, enquanto almoçava mais cedo e comprava sabonetes diferentes, decidi dar uma olhada naquele gênero que me parecia tão estranho.
Desde então o terror se tornou um dos gêneros que mais acompanho.

Não faço ideia qual foi o primeiro filme de terror que vi depois de ter desenvolvido um certo senso crítico, mas A Bruxa com certeza foi um dos primeiros.

A Bruxa - Poster original

A história de A Bruxa se passa na Nova Inglaterra, por volta de 1630. Uma família de sete membros, um casal e cinco crianças, é banida de uma vila por desavenças religiosas. Sem lugar para onde ir, se estabelecem em um local isolado, à beira da floresta. Quando o filho recém nascido desaparece, remorso, medo e inveja tomam conta da família.

O filme usa documentos históricos e relatos populares como base, é por isso que a frase “A New England Folktale” é destacada no pôster original. E como o título e a época sugerem, o longa se passa durante o período de histeria das perseguições às “bruxas”, três anos antes do famoso e sanguinário caso das Bruxas de Salém.

O folclore é um dos pilares de A Bruxa, pois as histórias populares estão intrínsecas ao imaginário dessa sociedade, utilizadas até como método educativo para os mais jovens. Portanto, a faceta do cristianismo apresentada no filme é a de oposição. Não basta o amor e misericórdia de Deus, é necessário reforçar sempre o pecado, que o mal está à espreita tentando seduzir, que criaturas das trevas irão levar as criancinhas.

A repressão de individualidades e a misoginia têm papéis fundamentais na propagação dessas histórias populares com fachadas sobrenaturais, que muitas vezes são somente ódio direcionado.

Desejar é um pecado, independentemente do que seja desejado. Se você é um homem, tudo bem se você mentir ou negar suas responsabilidades às vezes. Mas se você for uma mulher e sair um pouco do molde que lhe foi construído, tem algo de errado com você. Se você questionar, se expressar pensamentos, tentar algo novo, bem, talvez você tenha feito um pacto com o diabo em pessoa. Talvez, você seja uma bruxa.

A partir do sumiço da criança, o que acompanhamos é uma espiral de decadência. O foco principal dessa degradação é Thomasin, uma adolescente que está passando para a fase adulta. Por ela estar com o bebê no momento em que ele sumiu, é gerada uma desconfiança de que Thomasin possa ter feito algo maligno com a criança. Inicialmente essa desconfiança é até compreensível considerando o contexto da situação, porém, a cada cena uma nova camada de tensão é adicionada, desenvolvendo um relacionamento conflituoso da família com a jovem, condenando-a a olhares atravessados e culpas descabidas.

Como se não bastasse o luto pela perda da criança, há uma escassez de recursos no novo lar que contribui para que todos estejam à flor da pele, temendo pelo dia seguinte, se questionando se irão conseguir sobreviver naquele lugar isolado. Em uma cena interessante, o casal conversa sobre levar Thomasin à cidade para que ela sirva a outra família. Tal diálogo carrega na verdade uma forma da família ter uma boca a menos para alimentar, aumentando as chances de sobrevivência.

Boa parte das reclamações de pessoas que não gostaram deste filme é que elas não sentiram medo enquanto o assistiam, o que é curioso, já que a palavra que melhor resume A Bruxa é medo. O medo de arder eternamente, o medo do que uma mulher pode fazer, o medo do pecado. O medo dos personagens transforma o comum em atrocidade.

É interessante como inicialmente a sensualidade é tratada de uma forma sutil, através de movimentos de câmera e olhares rápidos e angustiados. Como Pablo Villaça cita em sua crítica do longa, muitos filmes de terror usam a transição feminina da adolescência para a vida adulta como ponto central de suas tramas, e em A Bruxa esse elemento também é utilizado.

Thomasin está crescendo e seu corpo está passando por mudanças. Ela estar se tornando uma mulher causa desconforto nos personagens e no espectador, como se fosse algo sujo, como se fosse um pecado crescer. A mãe de Thomasin claramente tem um ressentimento pela filha ter “perdido” o bebê, mas além disso, é perceptível um certo medo de que a filha acabe “conquistando” os homens da família e tomando seu lugar como matriarca.

É louvável como as cenas em que essa conquista incestuosa é supostamente retratada, pois não há nada demais nelas. Em uma cena em que Caleb, irmão do meio, olha para o corpo de Thomasin, temos a sensação de ser algo grotesco, errado, mas não há nada além de curiosidade ali. A partir do momento em que tudo é proibido e a curiosidade é a razão pela qual você irá arder no inferno, coisas simples são transformadas nas mais diabólicas depravações. Depravação verdadeira que é escancarada justamente com Caleb, em um momento de êxtase ao fazer um discurso religioso que é um contraponto perfeito com a inocência do personagem ao olhar a irmã no início do filme.

Boa parte de A Bruxa é lenta, preocupada em contar sua história nos detalhes, com a fotografia, jogo de sombras e trilha incômoda, mas na reta final, o diretor Robert Eggers decide ir para um outro caminho, nos jogando em uma sequência perturbadora onde as frustrações explodem e o que nos é apresentado é um show de horrores. No bom sentido.

Porém, acredito que se o filme acabasse no momento em que uma personagem dorme após essa sequência, o filme manteria uma mensagem mais coesa. No sentido temático, a cena final não estraga o que foi dito até então, na verdade reflete a violência dos oprimidos à enésima potência, o que encaixa com o restante do longa. Porém, Eggers faz isso a partir de elementos sobrenaturais que teriam mais impacto se fossem utilizados mais vezes ao decorrer da obra, então é compreensível ter a sensação de algo deslocado quando os créditos sobem.

A Bruxa é um filme tecnicamente excelente, com uma direção consciente que usa e abusa de um clima extremamente opressivo, criando uma verdadeira prisão em ambientes simples, como um quarto ou até mesmo a floresta, com o intuito de fazer com que o espectador tenha a impressão de estar pecando junto daqueles personagens falhos. Obviamente não é perfeito, mas vale muito conferir pela experiência.

Com as sedas devidamente rasgadas, surgem as questões:
Porque as pessoas não gostaram de A Bruxa?
Quem gosta do filme é “cult chato”?
Quem não gosta é “desmiolado mainstream”?

Thomasin

A primeira coisa que vem à tona quando se fala sobre A Bruxa, é sobre como o público não conseguiu apreciar esse filme de terror. E isso é verdade em certa medida. O que não faltam por aí são relatos de pessoas que se entediaram na sala de cinema e outras que tiveram sua experiência atrapalhada por tais pessoas entediadas. Aliás, houve todo um questionamento na época se esse é realmente um filme de terror, já que por boa parte do longa ele tem uma abordagem mais voltada ao drama.

Há de maneira geral uma visão de que filmes de terror devem assustar o tempo todo. De que um bom filme do gênero é aquele que faz o espectador pular da cadeira várias vezes, que faz o coração disparar. E tudo bem, essas também são características do gênero, porém não são as únicas.
Assim como qualquer outro gênero, seja literário ou cinematográfico, não há uma única finalidade, até porque isso engessaria as obras. O que seria do último especial da Netflix de Bo Burnham, INSIDE, se o único objetivo possível de uma comédia fosse fazer rir?

Então sim, A Bruxa é um filme de terror, mas ao mesmo tempo é um drama e um longa com traços de ficção histórica, porque gêneros são pilares, não caixas lacradas. E ainda assim, obras que são predominantemente de um único gênero podem alcançar seu objetivo, se tiverem um, de formas diferentes. O filme de Robert Eggers não utiliza jump scares constantes para causar sustos momentâneos, mas um clima opressivo, sutil e muitas vezes mais introspectivo. E ainda assim, é um filme de terror. Não só pelos acontecimentos finais, mas pela forma como a história é conduzida por todo o longa.

Mas veja bem, apesar de achar que seria interessante se a maior parte das pessoas tivesse a mente mais aberta para filmes que saem um pouco da sua zona de conforto, ainda acredito que algumas dessas pessoas que não gostaram do filme foram… enganadas.
Você já viu o trailer de A Bruxa? Se não, essa é a sua chance.

 

Entendo a posição dos marketeiros que tiveram que atrair o público de alguma maneira, mas a edição desse trailer dá uma ideia bem errada do que é o filme de fato. As transições, cortes e trilha usadas aqui dão a ideia de um filme de monstro sobrenatural, onde a bruxa do título provavelmente captura as crianças e cabe à Anya Taylor-Joy enfrentá-la, tudo isso recheado de sangue e muitos sustos – *risada maligna*.

Imagine que você pagou para assistir a um Palmeiras X São Paulo, mas antes de rolar a bola anunciam que o elenco todo do Palmeiras sumiu, então substituíram o time pelo Santos. Os torcedores do São Paulo talvez não liguem, mas com certeza os palmeirenses não vão gostar. É compreensível alguém que viu esse trailer não conseguir apreciar o filme, afinal, as expectativas não casam.

Veja bem, essa é só uma das facetas da repercussão negativa de A Bruxa com o público. Isso não exclui a produção em massa de filmes formulaicos cheios de sustinhos baratos que acabam por alienar e robotizar em certa medida o público. E isso também não exclui a porcentagem que entendeu a proposta e simplesmente não gostou. Existe uma grande quantidade de números entre 8 e 80, e definitivamente existe uma gama muito maior entre “desmiolado mainstream” e “cult chato”.

É muito fácil simplificar as coisas. É, essa é uma frase óbvia, mas gosto dela, eu que criei. O que quero dizer é, talvez nós tenhamos muito mais a ganhar se olharmos pelo prisma da complexidade, das possibilidades. Não no sentido de complicar, mas no de expandir. Em vez de descartar o que o fã de filme de “sustinho barato” tem a dizer, por que não o convidar para tomar um suco e tentar entender de onde essa pessoa está partindo? Em vez de revirar o olho enquanto a colega fala sobre como o “plongée” realça os temas daquela obra, por que não perguntar o que faz ela pensar isso?

Sim, eu sei, o kg da carne está R$39,90 e ninguém tem tempo para discutir nada, principalmente entretenimento. Desculpe, foi só uma ideia.

A Bruxa está disponível no iTunes, Google Play, Globoplay e Telecine Play.

Tratando arte como arte, sem nunca perder o bom humor.

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