Análises
Análise | Cuphead – The Delicious Last Course é a sobremesa 5 estrelas
Qual é o preço de desenvolver uma expansão com métodos tradicionais de animação e cenários construídos à mão? Ora pois, apenas alguns suados 5 anos de trabalho duro, mas com a garantia de que o desenvolvimento nunca se afastasse da mesma identidade que transformou o Cuphead original em um clássico dos novos tempos. The Delicious Last Course é Cuphead em corpo e alma, e também uma maneira de lembrar os fãs do porquê fomos cativados pelas aventuras de Xicrinho e Caneco lá em 2017.
A nova aventura dos dois irmãos com rosto de recipientes começa quando a Senhorita Cálice – isso mesmo, a mesma cálice dos mausoléus – pede a dupla que a acompanhe até uma nova área da Ilha Tinteiro e auxiliem o novo personagem, o Chefe Pitadinha, a juntar os ingredientes necessários para criar a Tortuprema, uma receita mágica que, segundo a Srta. Cálice, fará com que a mesma realize seu desejo de retornar à vida.
Já gostaria de começar esta análise direcionando todos os meus elogios ao trabalho de animação logo na cutscene de introdução da DLC, além do restante das sequências que conduzem a curta – porém absolutamente carismática – narrativa do game. Ao contrário do formato utilizado no jogo principal, que contava sua história ao guiar o jogador por páginas de um livro, em The Delicious Last Course, todas as cenas foram inteiramente animadas à mão, o que acaba por transformar esta expansão em algo muito similar ao assistir a um curta de desenho animado nos anos 30. Certamente foi uma escolha muito trabalhosa do Studio MDHR, mas que no final acaba por ser bastante prazeroso ao permitir-nos ver Xicrinho, Caneco e a Srta. Cálice ganhando muito mais vida e interagindo entre si. É de encher os olhos, especialmente ao jogador notar que o trabalho estético fenomenal do jogo base está de volta, e às vezes até se supera. Isso, tanto em trilha sonora, quanto em arte.
Mas o maior destaque da DLC não fica apenas com as belas animações das cutscenes, pois o brilho de Cuphead como um todo se encontra mesmo em suas boss fights, e em The Delicious Last Course, o novo elenco dos seis vilões (além de um outro chefe secreto que só pode ser acessado ao realizar um puzzle no mapa) é apenas a culminação de longos anos de experiência que os devs do Studio MDHR adquiriram durante o desenvolvimento do Cuphead original. Vamos imaginar por um momento os melhores chefes do jogo base unidos em uma só ilha. Empolgante, não é? Pois é o que exatamente ocorre nesta expansão.
Não estou exagerando quando digo que a maioria dos chefes principais de The Delicious Last Course estão entre as melhores boss fights planejadas para o jogo até então, conseguindo se juntar ao hall de excelentes chefes como, por exemplo, o Rei Dado e o Capitão Barba-Salgada. As batalhas estão muito mais caóticas, exigindo total atenção do jogador com o que está ocorrendo em tela, e forçando-nos a aprender a dominar ainda mais as mecânicas de dash e parry. Ficou bem claro neste parágrafo que a dificuldade da DLC está bem maior, o que torna bastante recomendado que deixe o acesso à nova ilha apenas quando você já tiver finalizado o jogo base. Quanto mais poderes você tiver acumulado durante a gameplay nas três ilhas anteriores, melhor.
Mas não pense que a alta dificuldade da DLC deixou o game mais injusto, pois a melhor adição que o Studio MDHR poderia ter inserido para ajudar os jogadores é a nova personagem jogável, a Srta. Cálice. A nova personagem traz novas mecânicas muito bem vindas, além de ser muito divertida de controlar.
A Srta. Cálice traz pulo duplo, uma nova mecânica de dash que dá parry automático nos projéteis rosas, um mapeamento novo para habilidade de rolar e, o melhor de todos, 4 vidas ao invés de 3. As novas habilidades da protagonista trazem muito mais mobilidade e agilidade para contornar os ataques mais caóticos dos novos chefes, e com um pouco de treino com os novos comandos, a Srta. Cálice certamente irá facilitar a vida de muitos jogadores.
Se há algum aspecto que me decepcionou, foi as armas novas, que infelizmente não surpreendem muito em relação à seleção original. Não é algo que incomoda entretanto, pois além da adição dos excelentes novos chefes e a gameplay com a Srta. Cálice, o Studio MDHR trouxe no lugar das fases de Run ‘n Gun, um novo desafio chamado O Salto D’el-Rei, podendo ser acessadas ao encontrar uma animação de escada em vários dos cantos do novo mapa. O castelo possui cinco batalhas inéditas contra chefes, mas trazendo um certo porém, eles só podem ser derrotados usando a mecânica de parry, e os efeitos de qualquer amuleto equipado nessas batalhas se tornam inúteis.
O desafio do Rei é a nova maneira de conseguir moedinhas para comprar os novos itens no Empório do Toucinho, e entendo totalmente a escolha do estúdio em deixar de lado as fases de Run ‘n Gun na DLC, pois animar diversos inimigos e planejar minuciosamente cada design dessas fases certamente requer muito mais tempo de desenvolvimento, e para o tamanho dessa expansão, seria um trabalho inviável. A solução trazida com o Desafio do Rei junta tudo o que os jogadores mais curtem em Cuphead, as boss fights, só que dessa vez com a mecânica única de derrotá-los apenas usando parry nos pontos fracos destacados nesses inimigos, ou utilizando os projéteis que os mesmos jogam pelo cenário.
Essa adição pode não agradar os fãs das seções de plataforma que Cuphead oferecia, mas quando se leva em consideração o escopo que The Delicious Last Course possui, as 5 lutas inéditas do Desafio do Rei trazem a diversidade que a DLC precisa e ainda nos apresentam a um espetáculo de animação tradicional com os movimentos e ataques únicos desses novos chefes. Conteúdo é que não irá faltar para os jogadores nessa expansão, e nisso todos estão muito bem servidos.
Foram 4 anos de espera que valeram totalmente a pena. The Delicious Last Course é um Cuphead mais criativo, caótico e caprichado do que nunca. Era pra ser uma despedida do Studio MDHR a esses irmãos que já deixaram sua história na indústria, mas acaba por deixar nós, jogadores, com muito mais sede por suas aventuras.
Há quem diga que a espera não valeu por conta da curta duração da DLC, mas ouso dizer que essa afirmação está muito longe de ser verdade. Estamos falando aqui de um trabalho primoroso que utiliza técnicas de animação tradicional e construção de maquetes reais (!) para representar os cenários que nós vemos em tela. Tudo isso é um trabalho que consome muito tempo e esforço, mas que no fim se torna o diferencial de todo o game. Cuphead e sua expansão trazem esse sopro de ar fresco numa indústria que cada vez mais parece reutilizar as mesmas ideias o tempo todo, e o Studio MDHR só merece elogios ao se manterem criativos enquanto tudo é feito em um ambiente de trabalho saudável. Portanto, digo com tranquilidade que The Delicious Last Course vale, sim, o preço pelo conteúdo que oferece. Afinal, qualidade acima de quantidade é algo que Cuphead conhece muito bem.