Análises
Análise | System Shock é um presente aos fãs do immersive sim
Ansiedade e frustração são as palavras que me definia, para cada adiamento que System Shock Remake recebia. Sendo bem honesto, eu nem imaginei que esse dia chegaria. A verdade é que a modernização de System Shock está entre nós, e foi um prazer enorme ter tido a oportunidade de conferir o jogo antes de seu lançamento oficial.
Se você é um leitor corriqueiro do site, deve saber bem que eu sou muito fã da série, afinal, eu escrevi textos sobre ambos os clássicos da Looking Glass Studios (aqui e aqui caso queira conferir), e tanto o primeiro quanto o segundo jogo, possuem uma importância gigantesca para a indústria de vídeo-games. Suas filosofias de design influenciam títulos até hoje no mercado, coisas como Bioshock e Atomic Heart não seriam possíveis hoje em dia.
Entretanto, nem tudo são flores, né? System Shock com certeza é um jogo influente, e definitivamente ter a tarefa de fazer um remake dele para o mercado moderno de vídeo-games, não é uma coisa fácil. E com todos esses anos de adiamento, será que o produto final valeu a pena? Essa é uma questão difícil de ser respondida, e nesses dias de acesso antecipado, fiquei numa profunda reflexão sobre ”para quem este jogo foi feito?”. Sem mais suspense, vamos lá para a análise em questão.
System Shock é um presente para você, fã da velha guarda
É bom já deixar isso bem claro, logo de início, né? System Shock Remake é um presente para você, fã do primeiro jogo, e eu lhe garanto que você vai amar o título. Sério mesmo, talvez você nem precise ler essa análise até o fim, eu te dou certeza que o investimento vai ser bom.
System Shock Remake é uma reimaginação/modernização quase que perfeita do jogo original, ela mantém todas as qualidades que faziam o jogo original ser tão distinto e único, e eleva ela para a qualidade moderna que podemos esperar de um lançamento atual. E claro, a atenção aos detalhes é de tirar o fôlego, e isso é o tipo de coisa que você espera mesmo da Nightdive Studios. Esses caras, na falta de adjetivos, são sensacionais. Acredito que ninguém mais teria o tamanho carinho para dedicar tanta atenção e amor para essa reimaginação.
Não apenas os ambientes são repensados e traduzidos para os gráficos atuais, como também a performance do voice acting dos personagens é de uma qualidade estupidamente boa. Se você jogou o original, com certeza se sentirá em casa e confortável com essas modernizações, não há o que reclamar.
É um immersive sim?
Com certeza. Simples assim mesmo, afinal, você esperava o que do remake do papai dos immersive sims? Agora, sendo bem honesto, eu ainda estou me acostumando com os sistemas desse jogo, mas é nítido que a atenção aos detalhes e aos sistemas foi devidamente equilibrada.
O jogo fornece ferramentas e maneiras variadas, para os diversos estilos de jogatina que os players podem ter. As ameaças da Cidadela, com certeza vão exigir um pouco de astúcia e criatividade por parte dos jogadores (mas ainda não te impede de usar a Laser Rapier até o final do jogo, fica a dica) e, possivelmente, te deixarão arrepiados para cada encontro diferente que poderão ter nos corredores claustrofóbicos da estação.
Para os desinformados, System Shock é um FPS com elementos de RPG. O combate do jogo possui diversas facetas, facetas essas que foram incrementadas com a utilização de diferentes implantes neurológicos, que mudam e transformam seu comportamento e abordagem em relação ao jogo. Talvez você jogue de forma mais segura, utilizando o combate à distância e posicionamento para a sua vantagem, mas por que não ligar o turbo e meter marretada na cabeça de geral, com um boost de ataque físico? Eu acho isso mais divertido.
System Shock não segura na sua mão em relação a gameplay do jogo, e isso é uma coisa tanto boa e ruim para esse título (mais sobre isso já já), pois ainda é muito cedo para falar isso, afinal, sou apenas um cara que jogou o game em acesso antecipado, e mais mecânicas e formas de jogar serão encontradas no seu pós-lançamento. A comunidade de jogos immersive-sim faz a festa em relação a isso, com certeza encontrarão formas criativas para quebrar o jogo.
Um apanhado para os novatos
Bem, investir num sumário é sempre bom, né? Afinal, nem todo mundo teve a oportunidade ou a paciência para jogar o original, e eu certamente não os culpo por isso. O jogo original de 1994, certamente não é um dos jogos mais palpáveis de ser jogado em 2023, e ainda fico louco só de imaginar que a galera curtia jogar esse tipo de jogo na época. Mas vamos lá, sobre o que é System Shock?
Se você não leu meu texto sobre o primeiro jogo (o que eu recomendo), System Shock é um thriller de horror cyberpunk, num futuro não tão distante, onde o mundo corporativo capitalista domina a garganta de tudo e todos. Você, meu querido leitor, estará na pele de um hacker, preso junto do demônio que ajudou a criar: Shodan.
Num desenrolar de eventos, tal coisa chamada Shodan, uma Inteligência Artificial que perde as barreiras que limitavam a sua consciência, toma total clarividência do problema que assombra os seus arredores: a raça humana. E num surto psicótico, inicia um processo de extermínio da população humana dentro da estação espacial da Cidadela, e você bro, ta ai no meio e tem que resolver a treta.
E, preciso MUITO dedicar um parágrafo para isso, mas a performance de Terri Brosius como SHODAN é F-A-N-T-Á-S-T-I-C-A. Sério, no momento que fora confirmado o seu retorno para o papel, eu não poderia ter ficado mais feliz. E o resultado final é maravilhoso, Shodan COM CERTEZA lhe dará pesadelos de noite, e você com certeza pensará duas vezes antes de usar alguma I.A na sua vida, depois de jogar o game.
O familiar e o diferente
System Shock toma certas decisões criativas, e mantém certas características do original, assim como muda algumas outras. Adianto que, aquilo que mudaram, mudaram para melhor, e aquilo que decidiram manter, na maioria foi bom, e alguns, nem tanto.
A direção de arte do remake foi um ponto fortíssimo da atenção do time de artes, e isso é evidente logo na primeira área do jogo. O estilo retrô foi mantido, mixando as texturas pixeladas, que davam charme ao original, aos efeitos de iluminação e sombreamento que marcam a tecnologia mais moderna do mercado. O resultado é uma coisa que brilha muito, impressiona também, mas que também reproduz um dos problemas do jogo original: a dificuldade de tornar seus ambientes marcantes e distintos o suficiente.
Ok, eu não sei se sou eu, mas, eu tive dificuldade em me localizar dentro dos espaços de System Shock. O uso saturado das cores e neons, tanto como no original quanto no remake, cansam a minha vista com facilidade e rapidez. O foco, quase que religioso, na reprodução desses elementos visuais do original, acabam afetando a sua relação com o level design, a ponto de te fazer questionar se você já não andou por aquele corredor antes. Honestamente, tive que me dar pequenas pausas entre jogatinas, para não arriscar forçar a vista até demais durante todo o meu tempo jogando. E por favor, se você tem epilepsia ou coisas relacionada, fique longe desse jogo.
Aproveitando do embalo sobre essa parte, uma coisa que notei a ausência no remake, é a inexistência de opções de acessibilidade para as fontes dos textos do jogo. Enquanto a fonte da legenda dos áudios se mantém agradável à minha vista, a fonte utilizada para as descrições de itens no inventário, e até mesmo para a leitura de documentos textuais de fato, é MUITO pequena. Me impressiona que a opção para aumentar essas fontes, não foi cogitada antes nos testes para o jogo. Definitivamente, essa mudança/implementação tem que ser realizada com urgência.
Perfeição é uma faca de dois gumes
Ok, System Shock é um remake muito fiel ao original, porém, chega a ter fidelidade até demais. Não me entenda mal, fidelidade é uma coisa boa, pois mantém a magia que o original possuía. Entretanto, certos problemas que o jogo original possuía, foram traduzidos para a modernização. A dificuldade de localização nos espaços da Cidadela, com certeza é um deles, afinal, no jogo original você praticamente precisava de um guia ou manual para poder progredir de forma orgânica entre os espaços da estação.
Uma das minhas preocupações com o remake, era exatamente essa, e ela se concretizou. System Shock, como dito anteriormente, não é um jogo que pega na sua mão para lhe dizer o que fazer e como fazer, ele espera da criatividade do player para tais ações se concretizarem. Entretanto, a ausência de elementos visuais ou mecânicas que garantem o rastreio de progresso do player, além do level design confuso e claustrofóbico, podem se tornar barreiras frustrantes para a progressão dos levels e sistemas que o jogo possuí.
Aparentemente, o jogo previu isso, e ao colocar a opção ”Missão” no modo ”Fácil” na tela de New Game, você pode desbloquear elementos que facilitarão a vida do jogador para tais coisas. Entretanto, enquanto eu testava um NG com essa configuração ligada, acabei por me deparar com… nada? O que é até estranho, talvez eu até precise atualizar essa sessão do texto depois, mas é a pura verdade: não consegui notar diferenças com essa configuração no Fácil ou Normal. Ou, ao menos, o jogo não me deu indicações para notar essas diferenças.
Além disso, que fique registrado aqui a minha decepção em relação a direção que foi tomada para a trilha sonora do remake de System Shock. Amigos, sendo totalmente transparante aqui agora, eu sou muito fã da OST de System Shock 2, mas MUITO FÃ MESMO. E honestamente, estava esperando uma reinvenção ou uma experimentação com a OST do remake, todavia, acabamos por receber uma direção mais ”segura” com o tratamento da Nightdive, apelando mais para o desenvolvimento e criação de atmosfera através das tracks do jogo. Coé, galera, eu esperava um pouco mais nessa parte.
Afinal, para quem System Shock foi feito mesmo?
Como está estampado no título da análise, e dito anteriormente, o remake é um presente para os fãs do jogo original, um belo presente para mim também. Entretanto, enquanto jogava o game de forma antecipada, e ao escrever essa análise, encontro certa dificuldade de prever a recepção do jogo ao público geral, no seu lançamento definitivo agora no dia 30 de Maio de 2023.
Para aqueles curiosos e fãs dos immersive sims modernos, a experiência será definitivamente uma delícia, mas para aqueles que não são familiares com esse tipo de experiência, talvez acabe por ser um título um tanto frustrante de se ingerir. Dito isso, com certeza System Shock 2023 não é um jogo perfeito, longe disso, mas é um trabalho feito com muito amor e carinho por aqueles que respeitam as raízes da história dos vídeo-games.
O tempo e seus acontecimentos são imprevisiveis, e com certeza a pandemia de 2020 não facilitou a vida dos desenvolvedores da Nightdive, o que provavelmente proporcionou os atrasos que culminaram no lançamento do título só agora, em 2023. No fim, para um fã como eu, a espera valeu a pena, e o produto final é uma genuína carta de amor. System Shock se encontra disponível, no momento, apenas para as plataformas Steam, Epic Games Store e GOG no PC, com lançamento planejado para os consoles no futuro.
*Esta análise foi feita com uma cópia do jogo para PC-STEAM, gentilmente cedida pelo pessoal da NightDive Studios!*
Conhecedor dos estudos históricos, amante da arte dos vídeo-games, streamer, ex pro-player de HearthStone, ilustrador e escritor.