Existem vários caminhos possíveis para se percorrer ao se criar uma narrativa que trata sobre o meio ambiente e mudanças climáticas. Sendo um tema cada vez mais discutido nas últimas décadas, já notam-se algumas expectativas pré-estabelecidas: desde aquelas mais “paz e amor” até as mais gráficas e agressivas – basicamente apocalípticas. Do seu colega vegano à Greta Thunberg, do panfleteiro do Greenpeace ao cientista que dá prazos finais para a sobrevivência humana. No geral, contudo, tais mensagens já se tornaram tão costumeiras que passam despercebidas tal qual um pedinte no semáforo. Nós viramos o rosto para não termos de encarar a dura realidade ao nosso redor.
Não cometa esse erro com Endling – Extinction is Forever.
Uma estreia inesperada
Endling, o primeiro jogo da Herobeat Studios, te coloca na pele de uma mamãe raposa que precisa se esquivar do rastro da destruição humana e dos perigos do homem a fim de garantir a sobrevivência de seus filhotes. De fato, os segundos iniciais do game – de forma sensível e bela – se dão dentro do ventre da protagonista, apenas para ser interrompido por sua fuga acelerada de um incêndio florestal descontrolado.
O que se dá a seguir, contudo, foge de qualquer molde que você possa esperar, fazendo com que não só a protagonista do game como também o jogador precise constantemente se adaptar às constantes mudanças no mundo ao seu redor, tanto narrativa quanto mecanicamente. Aquilo que, inicialmente, parecia um platformer narrativo, logo se torna um metroidvania, e em seguida um survival, e também todos esses ao mesmo tempo. E o que parece a jornada de uma mãe raposa, logo se revela um espelho que reflete a nossa própria jornada.
É sensível, é sufocante, é belo e estarrecedor. Acaricia e machuca ao mesmo tempo. É um trabalho de incrível delicadeza e domínio que se revela em diversas camadas – todas muito admiráveis.
A sobrevivência em jogo
Já de início o game apresenta uma responsabilidade e uma missão: você precisa encontrar alimento para seus filhotes a fim de que eles não morram de fome no decorrer dos dias que se passam, e também ensinar a eles habilidades de sobrevivência. Ao mesmo tempo, contudo, um dos filhos é levado por uma figura misteriosa. Logo, a mamãe raposa deve utilizar seu faro para procurá-lo – revelando aos poucos por onde seu raptor passou e pelo quê ele passou.
E assim se desenrola tanto o game quanto sua narrativa: você fareja o mundo em busca de alimentos acompanhada de seus filhotes cuja fome aumenta progressivamente, evita perigos mortais, e conforme as coisas ao seu redor mudam e seus filhos aprendem novas habilidades ao visitar pontos específicos do mapa, novos lugares são desbloqueados para se explorar. Ao fim do dia, você deve retornar à sua toca para dormir.
Dessa forma, várias linhas narrativas se desenrolam ao mesmo tempo. Todas orquestradas com grande maestria e beleza: a sobrevivência da raposa e seus filhotes, as mudanças no ambiente causadas pela ganância e indiferença humana, a busca pelo filhote raptado que revela a luta de seu raptor para também sobreviver a essa mudança, e as consequências disso tudo para a humanidade – além de diversos amigos e inimigos pelo caminho.
Encarando o espelho
Já é possível imaginar que diversas tragédias ocorrem no decorrer do game, e o estúdio não pega leve em momento nenhum. A fome, a perda do lar e da família, a violenta luta pela sobrevivência, e como isso tudo extrai o melhor e o pior de cada um de nós… Tudo é apresentado de forma habilidosa e sensível, acompanhado por uma direção de arte e trilha sonora que em nada deixam a desejar.
Aos mais puristas, Endling pode deixar um pouco a desejar. Pois ao não se prender em nenhum gênero específico, é possível que os fãs de cada gênero individual não fiquem totalmente satisfeitos – a narrativa impede que o survival seja explorado com mais rapidez, e o survival pode tornar a narrativa um pouco angustiante. Ao se olhar o todo, contudo, é fácil ver que tudo contribui para a história que os criadores queriam contar. Cheia de beleza e tristeza.
Endling – Extinction is Forever é uma dura porém belíssima representação do que somos, do que passamos e das consequências do descaso com o nosso mundo não só para uma raposa e sua família, mas para todos nós. É uma experiência curta e vale cada segundo – se seu coração aguentar.
Versão de PS4 analisada num PS5. Código fornecido para review.