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ANÁLISE | Mario + Rabbids Sparks of Hope – Novas melhorias, menos capricho
Mario + Rabbids Sparks of Hope enfrenta o desafio de trazer mais conteúdo para a série sem deixar de ser acessível ou desafiador.
Lançado originalmente em 2017, Mario + Rabbids Kingdom Battle se propunha a colocar o universo de Mario, dos Rabbids e as convenções básicas dos jogos de tática numa centrífuga, trazendo uma nova experiência do encanador ao mesmo tempo em que apresentava o gênero para um público novo. Cinco anos depois, Mario + Rabbids Sparks of Hope enfrenta o desafio de trazer mais para um jogo que utilizou apenas o básico do gênero para se manter acessível, mas sem deixar de ser desafiador ou se tornar complexo demais. Enquanto o caminho tomado pela Ubisoft para solucionar esse problema seja inteligente e sofisticado, há também diversas considerações a serem feitas.
Entre regras restritas e liberdade de jogar
Vou contar uma história que aconteceu no meu segundo ano do ensino médio. O novo professor de física vinha de escola militar e, sendo assim, possuía um método de ensino um pouco rígido. Certa vez ele nos passou uma lista com 40 exercícios para entregar num prazo curtíssimo. Para a nossa sorte, tínhamos na nossa turma uma menina que, durante os três anos do ensino médio, foi a primeira colocada nas olimpíadas de matemática – sendo assim, não é preciso dizer que todos copiaram a tarefa dela. Todos menos um, na verdade. Um amigo se comprometeu a fazer todos os exercícios sozinho, pedindo no máximo orientações para nossa colega prodígio.
Quando chegou o dia da devolução deste trabalho, esse amigo foi o único que tirou nota zero. Ao tirar satisfação com o professor, o barraco foi digno de “colocarem a mãe no meio”: o motivo da nota zero? Todas as respostas estavam corretas, mas o professor exigia que, ao lado de cada resolução, o aluno indicasse qual fórmula ele usou para resolver o problema – uma regra arbitrária do professor. Por não ter indicado (ou simplesmente esquecido desse detalhe), nota zero.
Existem alguns jogos que também são assim – a maioria deles sendo alguns entre os mais desafiadores, como os famosos ‘soulslike’: os desenvolvedores definem regras bem rígidas e definidas, tal como a matemática, e o jogador precisa aprendê-las, ou então perde o jogo. Enquanto dominá-las geralmente traz uma enorme sensação de conquista, para aqueles que simplesmente não se dão bem com matemática, o resultado pode ser apenas frustração e desistência. Enquanto isso, outros jogos são mais soltos, como a arte, um playground, ou… Uma caixa de areia, onde as crianças têm alguns brinquedos e ferramentas espalhadas e o único limite é a imaginação – daí o termo “sandbox”.
Por mais que, ao longo do tempo, o termo sandbox tenha sido usado para definir jogos de “mundo aberto”, seu significado original remete mais a liberdade, em dar diversas possibilidades de expressão ao jogador. E considerando a proposta original de abrir o gênero para um público mais amplo, entregar nas mãos dos jogadores variadas ferramentas que permitam se adaptar, improvisar e jogar à sua própria maneira é uma boa solução para diminuir a rigidez da experiência.
Afinal, como produzir uma continuação para um jogo (que implica trazer ainda mais elementos a fim de inovar) cuja proposta original é ser acessível, sem acabar tornando-o mais complicado? No fim das contas o grande acerto de Sparks of Hope é conseguir ser ainda mais intuitivo que seu predecessor ao mesmo tempo em que apresenta novidades para os fãs da série – o que inevitavelmente nos levará a uma comparação entre os dois jogos.
Ajustes, melhorias e novidades
Entre seus principais ajustes, o mais nítido se dá na movimentação durante as batalhas que não mais está presa a uma grade, mas ocorre livremente dentro de seu espaço delimitado, como num jogo de ação comum, ao invés de seguindo um ponteiro, podendo assim andar e se reposicionar. Da mesma forma, a movimentação da câmera agora é livre, e não mais isométrica e presa a alguns ângulos específicos, deixando de lado aquele aspecto de ‘diorama’ ou mundo de brinquedo do primeiro jogo.
Além disso, em Kingdom Battle, o jogador percorria caminhos extremamente lineares até alcançar uma área pré-definida onde então entrava em combate (os quais eram obrigatórios para avançar). Já em Sparks of Hope, os mundos são mais abertos, vastos, com várias missões paralelas e apenas algumas seções obrigatórias para prosseguir na aventura. As outras batalhas acontecem apenas ao entrar em contato com algum inimigo que esteja andando pelo mapa, transportando o jogador para um cenário separado.
A sequência também torna cada personagem do seu time ainda mais único, com armas e poderes diferentes entre si, além de árvores de habilidade com melhorias exclusivas que podem ser realocadas livremente. Além também da adição dos Sparks – a mistura entre os Rabbids e as Lumas de Mario Galaxy que são a grande novidade do game. Cada Spark possui atributos únicos ao ser ativado em batalha, como adicionar danos elementais variados a seus tiros e rasteiras ou invocar monstros que lutam a seu favor, e cada personagem poderá equipar até dois deles, trazendo uma divertida profundidade.
Assim, o jogador pode montar seu time favorito, realizar missões e explorar com muito mais liberdade e agência, além de se adaptar para vencer da forma que achar melhor. Tudo isso embrulhado em paletas de cores belíssimas, interfaces mais elegantes, quebra-cabeças que tornam a exploração ainda mais prazerosa e uma trilha sonora simplesmente inacreditável.
Dito isso, enquanto Sparks of Hope é excelente por si só, alguns pontos negativos também se destacam quando o comparamos com Kingdom Battle em termos de qualidade.
As inevitáveis comparações
Enquanto a movimentação livre de câmera e personagens seja uma mudança muito bem vinda, e os mundos mais vastos e não-lineares muito mais amigáveis, infelizmente isso traz para o já limitado hardware do Switch uma demanda muito maior de processamento. Apesar de Kingdom Battle ter sido lançado há mais de cinco anos, seus ângulos de câmera fixos e caminhos lineares permitiam que os cenários e texturas fossem muito mais ricos em detalhes, formas mais arredondadas e técnicas que tornavam o visual mais detalhado e atraente. Sparks of Hope, no entanto, perde essa qualidade.
Mais ainda, essa perda vai além dos quesitos técnicos – afinal, Sparks of Hope em si continua visualmente agradável. O problema é que a impressão maior que fica é que o jogo perdeu também em charme, carisma e estilo. Enquanto Kingdom Battle possuía formas geométricas icônicas reminiscentes dos mundos de Mario, detalhes no cenário que literalmente dançavam junto com a música, e personagens distintos e memoráveis, Sparks of Hope parece apenas nos levar por mundos genéricos, que mesmo sendo mais populados conseguem parecer ter menos vida e entusiasmo.
Essa aparente falta de inspiração fica nítida ao considerarmos as lutas contra chefões – afinal, é nas provas que os professores de matemática testam o que os alunos aprenderam. Enquanto o primeiro jogo possuía bosses e mid-bosses memoráveis, como o inigualável Phantom que cantava óperas parodiando o bigodudo enquanto lutava, as batalhas na continuação não possuem sequer algo minimamente imponente, ameaçador ou digno de nota quanto Rabbid Kong (o primeiro chefão do primeiro jogo). Elas apenas… Acontecem. Kingdom Battle tinha um carinho ao apresentar ao jogador cada inimigo novo e os desafios que eles traziam. Já os novos oponentes na sequência não recebem a mesma atenção, parecendo muito mais superficiais e menos interessantes.
Ao passo que não existe uma resposta correta em qual tipo de jogo é melhor (o “mais matemática” ou o “mais sandbox”), era possível que, mesmo com as mudanças e novidades que tornam Sparks of Hope mais convidativo, muitas das qualidades de seu predecessor pudessem ser mantidas sem que a acessibilidade e a liberdade fossem perdidas.
Mundos sejam mais abertos e menos lineares ainda podem ter aquele visual carismático clássico da Nintendo, ou mesmo se passando no espaço serem menos escuros e frios. Por mais que agora os Rabbids possuam falas para tornar a história mais caprichada, eles ainda podiam manter aquele ar de “Tom & Jerry” de quando se comunicavam através de seus maneirismos e loucuras, sem perder a expressividade. Ainda que o movimento dos personagens agora seja livre e se distancie das origens dos jogos de tática que nasceram nos PCs (por isso o ponteiro do mouse), a velocidade de movimento poderia não ser notavelmente mais lenta. Enfim…
No fim das contas
Em seus próprios méritos, Sparks of Hope é divertido e cativante, com ótimos puzzles e uma trilha sonora extraordinária. Suas melhorias e novidades são muito bem vindas, e todo o cuidado de entregar mais liberdade nas mãos do jogador foi recompensante. Mas apesar da subjetividade do debate de a jogabilidade mais matematicamente calculada de seu predecessor ser melhor ou pior, é inegável que essa continuação merecia ter tido o mesmo carinho e cuidado que o primeiro título recebeu.
Formado em Design de Games pela Universidade Anhembi Morumbi e com mais de 5 anos de experiência como Motion Designer e Editor de Vídeo, já palestrou sobre GameDev e leva os joguinhos à sério por mais que sua mãe diga que não dá dinheiro (não dá)