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Por que você DEVE jogar Risen?
A ideia de que é fácil fazer um jogo de sucesso, me parece um tanto quanto estranha. Basta ”apenas” executar as programações corretamente, deixar um gráfico bonito e realista, compor umas músicas daoras, e pew, você tem um best seller. Só de resumir o processo assim, já parece um negócio louco e estranha, né não? Ok, mas o que isso tem a ver com Risen? Sendo honesto, eu não sei, mas eu acho que vou descobrir enquanto escrevo esse texto.
Na real, eu pensava e ainda penso em colocar muitas coisas nesse texto, afinal, a oportunidade me dá inúmeras possibilidades, e acho eu que os donos do site não vão se importar com isso (eu acho). Francamente, Risen não é um jogo fácil de recomendar, e o intuito dessa série de artigos é exatamente essa (?), recomendar jogos diferentes, esquecidos… mas Risen é difícil de apresentar.
E o porquê disso? Bem, é fácil explicar isso e posso apontar vários motivos e, com certeza vou citá-los, mas, ao mesmo tempo, existem muitas coisas que fazem com que Risen seja uma experiência… genuína, diferente. É aquele tipo de jogo que você com certeza precisará experimentar.
O ”eurojank”
Você já ouviu falar do termo ”eurojank”? Não? Bem, talvez seja necessário um pouco de explicação para isso, já que vou utilizar muito o termo daqui em diante. Sabemos/conhecemos muito bem quais são os polos da indústria de games no mundo. Em especial, no mundo ocidental, lá no Norte da América e na Europa Ocidental, e do outro lado do mundo, no Japão.
Entretanto, por mais difícil que seja tentar enxergar o mundo dos games pra além desse ”monopólio” de empresas que conhecemos, a verdade é que existem muitas empresas/estúdios que tentam fazer games, que se localizam em regiões não muito convencionais para essa indústria/público. O eurojank vem daí, onde inicialmente, era um termo depreciativo/pejorativo usado principalmente por revistas/sites de review estadunidenses (isso lá no final de 90 e início de 2000), referindo-se a jogos/produções feitas por estúdios do Leste Europeu.
O termo ”janky” pode ser traduzido de várias formas, uma delas é ”desastrado” ou ”estranho”, e de certa forma, isso resume muito bem esse tipo de jogo, em especial, o Risen que estou tentando recomendar. Num geral, boa parte dos jogos eurojank são ambiciosos, complexos, e possuem ideias que são brilhantes, mas que num geral, nunca foram cozinhadas por completo, deixando muito a desejar nos departamentos de otimização e polimento.
Mas a graça está ai, por conta desse ”charme” na ausência de polimento, criou-se uma subcultura dentro da cultura dos vídeo-games. Tal subcultura/fanbase valoriza (e muito) esses charmes e mecânicas diferenciadas/não convencionais desses jogos, jogos esses, que na maioria das vezes, são produzidos por estúdios do Leste Europeu.
O Leste Europeu pode te impressionar
Por incrível que pareça, a CD Projekt Red era (e talvez ainda é, por conta do CP2077) uma empresa conhecida por eurojank games. The Witcher 1 e 2, são jogos muito diferentes para seus respectivos tempos, e eu confesso que até mesmo The Witcher 3 tem um pouco desse eurojank na sua fórmula. São jogos com tendências e filosofias de design não convencionais, mecânicas estranhas e implementadas de maneira incomum, que culminaram na construção de uma fanbase gigante através do tempo, tendo seu pico no final da trilogia de Geralt.
Risen, fora produzido por um estúdio alemão chamado Piranha Bytes (até o site dos cara é meio estranho, pode olhar ai), hoje conhecido por desenvolver a série ELEX para os consoles atuais, é um estúdio com uma história muito interessante na indústria de games, que possuí origens lá no início dos anos 2000.
Em 2001, o estúdio lança o clássico cult ”Gothic”, que veio a criar uma fanbase enorme, principalmente focalizada nos países/regiões do Leste Europeu, que apreciavam/apreciam muito as produções de estúdios com origens da área.
É engraçado refletir um pouco sobre isso, pois em tese, a Alemanha não deveria ser um país do Leste Europeu, certo? Mas a verdade é que, para a época, os eventos da queda da Cortina de Ferro (fim da União Soviética) ainda eram muito recentes, consequentemente, o contato profundo e íntimo de alguns cidadãos alemães com os vizinhos do Leste Europeu (por conta da divisão das Alemanhas), ainda era muito intenso.
Dessa forma, a recepção dos públicos situados na Polônia, Romênia, Moldávia e até Russo, foi muito potente, visto que essa agregação de produção cultural acabou sendo abraçada e, impulsionou a organização dessa fanbase dedicada que, até hoje, produz mods e conteúdos customizados para esses jogos eurojanks.
Afinal, o que faz um jogo ”open-world” ser ”aberto” de fato?
A definição e o design de jogos de mundo aberto, é repensada e redefinida a cada geração de console que vem e vai pelos anos recentes. Uma hora ou outra, alguns jogos retomam conceitos de design de jogos antigos, e tentam modernizar esses conceitos, ou se agarrar por completo nele e construir em cima dessa ”base”. Risen gosta mais dessa segunda opção.
No caso, o que faz o mundo de Risen ser aberto e vivo, é o fato de que ele quer que você saia para explorá-lo e crie a sua própria história/fantasia no processo. Claro que, o jogo possuí uma main quest e uma side quest, e elas são interessantes e bem escritas, mas eu acredito que essa não seja a parte que faz as pessoas gostarem do jogo. Existe um certo charme no mundo de Risen, é uma mistura de Piratas do Caribe com fantasia medieval do leste europeu, com muitas similaridades as criaturas e lendas fantásticas que poderíamos ver nos jogos da série The Witcher.
E junto disso, talvez para somar mais com a experiência, Risen não segura na sua mão para que você jogue o jogo, na verdade, ele gosta mesmo de te surrar bastante, pra ver se você vai mesmo conseguir jogar ele até o final. Risen, ou melhor, todos os jogos da Piranha Bytes são estranhos, jankies: o combate é complicado de entender nas primeiras horas de jogatina, são jogos com uma curva de dificuldade gigantesca, possuem uma quantidade sinistra de mecânicas que provavelmente não serão explicadas por tutoriais, e pra melhorar, são repletos de bugs. Mas de novo, o charme dos jogos deles é exatamente tudo isso que eu falei.
Uma progressão não tão linear e mastigada
Risen te dá um personagem em branco, praticamente sem nenhum ou qualquer backstory de fato. Sua missão é simples: ser abraçado pela imersão e fantasia que os desenvolvedores criaram. E, honestamente, eles conseguem fazer isso com muita facilidade. Como dito antes, Risen e os outros jogos da Piranha Bytes, possuem mundos abertos extremamente vividos e convincentes.
Convincentes do que exatamente? Bem, de serem mundos que, mesmo que você desligue e feche o jogo, eles provavelmente continuariam a se desenvolver sem você por lá para participar do processo de fato. Os NPCs, por mais limitado que seja os processos de design e programação, possuem rotinas e ações persuasivas para o consciente do jogador. Não só isso, mas o trabalho dos escritores da Piranha Bytes é notório no momento que você percebe os detalhes sutis que esse mundo possuí, detalhes que implementam humanidade e veracidade para cada cantinho da obra.
Uma das coisas que eu gosto muito sobre Risen, é o processo de desenvolvimento do protagonista. No caso, não existe uma ”árvore de habilidades” para se desenvolver. Não, você adquire a experiência através da jornada, e investe essa ”experiência” com a grana que você adquire, para encontrar pessoas que possam te treinar e moldar para aquilo que você almeja. Almeja ter competência no manuseamento de machados para o combate? Talvez um lenhador do pântano possa te ajudar com técnicas diferenciadas.
Dê uma chance, vai por mim
Eu tenho um histórico em recomendar jogos difíceis de recomendar. Talvez esse seja um dos charmes dos meus textos, afinal, eu me pego testando e jogando essas coisas diferenciadas, ao invés de ir pros títulos ”seguros” que a indústria tenta enfiar em nós, através do marketing excessivo e agressivo que podemos ver através da internet.
No fim ao caso, eu lhe garanto, meu querido leitor, que há muita coisa interessante nessa indústria para se encontrar. Muito talento despercebido, por jogos que transpiram inovação, amor e glitches engraçados. Talvez essa seja uma oportunidade para reinventar essa série de textos para o site. Talvez, agora eu começarei a recomendar jogos que provavelmente ninguém teria a coragem de recomendar. Talvez eu já até saiba qual o próximo jogo que vou recomendar…
Conhecedor dos estudos históricos, amante da arte dos vídeo-games, streamer, ex pro-player de HearthStone, ilustrador e escritor.