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Opinião | Crash Team Racing Nitro-Fueled: Como desbalancear um jogo com microtransações
A essa altura do campeonato, quem não conhece Crash Bandicoot? Criado por Andy Gavin e Jason Rubin, parte do time da empresa Naughty Dog, Crash se transformou em um ícone do PS1, dando a chance da Sony se rivalizar à Nintendo e à Sega com seu próprio mascote. Ganhando 3 jogos de plataforma tradicional (Crash Bandicoot 1, 2 e 3, respectivamente) e um spin-off de corrida (Crash Team Racing) que fizeram sucesso retumbante, Crash foi um marsupial laranja bem recebido e adorado em sua fase inicial.
Até que a Naughty Dog perdeu os direitos do querido personagem. E a tragédia para seus fãs começou.
Anos se passavam e o marsupial só recebia jogos que simplesmente não tinham o mesmo charme ou a mesma qualidade, decaindo do seu pedestal no fim dos anos 90. Crash estava fadado a ser um personagem secundário que apenas traria saudades de seus dias de glória e um gosto ruim na boca em ver sua situação atual.
Mas um belo dia, no início de 2017, a empresa Vicarious Visions, juntamente à Activision, revelou em uma conferência uma “volta extraordinária no tempo” – o marsupial favorito de todos estaria voltando naquele mesmo ano, com uma remasterização de seus três jogos originais, na forma de Crash Bandicoot – N. Sane Trilogy. O anúncio fez sucesso imediato, o jogo foi imensamente bem recebido e com certeza sequências viriam no horizonte, fazendo a felicidade dos fãs do marsupial em vê-lo finalmente de volta aos holofotes.
E as coisas só melhorariam quando ao final de 2018, a Activision e a Beenox anunciaram mais uma viagem nostálgica – as empresas estariam trabalhando em um remake de Crash Team Racing, outro querido jogo da franquia, colocando os fãs em polvorosa novamente. Em 21 de junho de 2019, o jogo foi lançado com o nome de Crash Team Racing: Nitro-Fueled para todos os consoles atuais e ganhou resenhas extremamente positivas, agradando aos fãs novos e antigos por seus controles bem ajustados e satisfatórios, modo single player dedicado, variedade de personagens e pistas de corrida, possibilidade de jogar online e incluindo conteúdo e toda a parte boa do quase-esquecido Crash Nitro Kart, outro jogo de corrida da série.
O jogo ainda ganhou expansões gratuitas temporárias, na forma dos Grand Prix temáticos, trazendo mais personagens e uma pista completamente nova ao jogo, além de desafios para os jogadores conseguirem desbloquear mais carros, personagens e customizações. Tudo parecia quase perfeito, certo?
E então a Activision resolveu lembrar que era a Activision, e resolveu lançar microtransações no jogo.
Microtransações. Em um remake de Crash Team Racing. O jogo que era pra ser uma tão esperada “volta extraordinária no tempo”, nas palavras da empresa, onde tudo o que era desbloqueável teria que, teoricamente, ser ganhado por esforço próprio, adiciona a opção de gastar mais dinheiro para desbloquear tudo.
Se você ainda não entendeu qual o problema aqui, deixe-me esclarecer.
As microtransações são pequenas compras que geralmente são colocadas em jogos para desbloquear alguma coisa mais rápido, prática muito comum em jogos Free-to-play. Em CTR: Nitro-Fueled, o jogo possui uma moeda digital, as “Wumpa Coins“, onde os jogadores adquirem certa quantidade ao final de cada corrida completada, variando de acordo com certas condições da corrida ou posicionamento. Com as Wumpa Coins, os jogadores podem acessar o menu “Pit Stop” onde diariamente personagens, carros, pinturas e customizações novas exclusivas estão disponíveis para ser comprados.
Desde o início, o jogo diariamente troca o que pode ser obtido no Pit Stop aleatoriamente, de modo a incentivar que os jogadores sempre voltassem a jogar e constantemente voltassem para ver o que estava à venda ou possivelmente em promoção, e enquanto os modos para um só jogador não davam muitas moedas (no máximo por volta de 60, por corrida) esses itens não tinham preços tão altos para um jogador obter naturalmente jogando algumas corridas, copas, ou cumprindo alguns desafios. É um sistema razoável, e que mantém a comunidade voltando para o jogo: se você entra em uma partida e vê um carro ou um personagem que não conhecia ou não tinha desbloqueado, é mais um incentivo para jogar mais e juntar mais moedas para desbloqueá-los.
Com as microtransações, você pode COMPRAR Wumpa Coins, e a mera opção de comprar aquilo com dinheiro vivo acaba atacando diretamente o sistema de recompensa que faz parte do jogo. Antes, você entrava em uma partida online e via um jogador com uma skin ou carro diferente, e seu pensamento provavelmente era que aquilo também te era possível, só precisava se dedicar ao jogo. Com as microtransações, o pensamento instantaneamente passa a ser “deve ter sido comprado, e eu não tenho dinheiro pra gastar, então não vou ter acesso a isso”. Dá um sentimento exclusivista em um jogo que foi pensado e programado de início SEM essa opção. Por que gastar tempo e se dedicar até conseguir o prêmio que quer se existe a opção de comprar aquilo instantaneamente? E pra piorar a situação, logo depois de anunciadas as microtransações, os preços do Pit Stop subiram exponencialmente, enfraquecendo ainda mais a ideia de se dedicar ao jogo e merecer os prêmios que desbloqueou.
9900 Wumpa Coins por um bundle. Lembrete: você ganha no máximo 60 moedas por corrida
Deixe-me esclarecer uma coisa: Microtransações não são SEMPRE algo ruim. Existem jogos Free-to Play que incluem opções para microtransações, e ainda conseguem ser bons jogos. Se tivermos como exemplo o Pokémon GO, o caminho para evitar as microtransações não é tão árduo, ele apenas pede que você se levante e explore mais o ambiente ao seu redor, e mesmo com os limites impostos de itens e Pokémon pegos, é totalmente possível manejar seus itens para continuar jogando sem gastar um centavo. E se você resolver gastar dinheiro, o jogo é gratuito de qualquer forma – você não gastou nada pra baixar e começar a jogar ele. No caso de CTR Nitro-Fueled, o jogo custa em volta de R$ 180. São quase 200 reais, pra você ter que gastar AINDA MAIS depois que compra o jogo.
Sabe o que é pior? O anúncio das microtransações ter sido feito DEPOIS que o jogo foi lançado e ter ganhado tanta recepção positiva. Se olharmos para o lançamento de Star Wars Battlefront 2, o jogo recebeu críticas severas em seu início EXATAMENTE por ter microtransações embutidas. As microtransações em CTR Nitro-Fueled não são uma boa decisão, mas elas terem sido adicionadas depois de já terem esperado a recepção positiva do jogo é algo que pode acabar muito mal-interpretado.
“Perdeu o personagem exclusivo da temporada? Ops, devia ter gastado dinheiro pra comprar ele! Ha ha!”
Quer ainda mais pra pensar? As microtransações de CTR Nitro-Fueled não são nada micro. Leve em consideração o maior estoque de Wumpa Coins, que são 11000. No PS4, esse conjunto custa uma bagatela de R$30,90. Deve dar pra comprar quase tudo da loja, certo? Errado! Se formos levar em consideração que os preços aumentaram bastante, e que um bundle com uma skin, um carro e um adesivo custa 9900 Wumpa Coins, você estaria gastando 31 reais para conseguir UMA nova skin, UM novo carro e UM adesivo. Em um sistema onde um NOVO PERSONAGEM já custou 1500 Wumpa Coins. 31 reais é quase 1/4 do que você pagou pelo jogo, e com certeza é o preço de vários outros bons jogos disponíveis na Playstation Network.
Se você não vai comprar as microtransações, ótimo. Sábia decisão. Mas só o fato que elas não só estão ali, como foram colocadas após o lançamento, já é um problema que merece ser debatido. As microtransações de CTR Nitro-Fueled são, usando um exemplo um tanto exagerado, como esteroides: eles existem, nem todo mundo precisa usar, e te dão um caminho mais curto para um objetivo, mas tiram completamente o sabor e o suor da jornada, fazendo mais mal do que bem. Como alguém que está muito feliz de ter Crash de volta aos holofotes, tudo o que posso esperar é que a recepção negativa para com a Activision faça com que essas microtransações sejam retiradas (o que, sinceramente, duvido muito), e que aprendam com os seus erros. A empresa tirou Crash do buraco onde estava, mas se continuar com essas práticas, nosso querido marsupial pode acabar voltando para o limbo do esquecimento.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Torre de Controle.
Cientista Ambiental, Ilustrador, Tradutor e Editor que vive de cabeça nas nuvens. Anda ouvindo a OST de Danganronpa, é pai de 4 gatos, ri de coisas sem sentido, é vegetariano e tem uma paixão por maracujá. Ama jogos de plataforma, histórias bem contadas e tem mania de jogar coisas esquisitas, e seus jogos favoritos incluem as sagas The Legend of Zelda e Metal Gear, Super Metroid, Persona 5 e Shadow of the Colossus.