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Crítica | Era Uma Vez em… Hollywood – Tarantino, menos Tarantino sendo mais Tarantino do que nunca

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Crítica | Era Uma Vez em… Hollywood – Tarantino, menos Tarantino sendo mais Tarantino do que nunca

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“Tudo que é realista tem certa espécie de feiura. Até uma flor é feia quando murcha, um pássaro quando persegue sua presa, o oceano quando se torna violento”. Esta frase, creditada a Sharon Tate na biografia Sharon Tate: A Life, curiosamente carrega consigo a citada relação dúbia entre beleza e feiura – principalmente se a relacionarmos com os acontecimentos de agosto de 1969 que acabaram marcando a vida e legado da atriz de Valley of the Dolls e The Fearless Vampire Killers. Os assassinatos de Tate, Jay Sebring, Wojciech Frykowsk, Abigail Folger, Steven Parent e do casal Labianca chocaram o mundo e marcaram o fim não apenas da década de 60, mas impulsionaram diversas mudanças sociais, culturais e políticas nos Estados Unidos.

Hollywood se transformou após a morte de Sharon Tate. No auge de sua efervescência, uma terra de oportunidades para artistas da indústria cinematográfica do mundo todo, onde festas aconteciam e vivia-se quase em comunidade e em plena “geração paz e amor”, Hollywood trocou as portas quase sempre abertas por trancas e muros altos. A “fábrica dos sonhos” ficou um pouco mais realista. E junto com a crise econômica da indústria do começo da década de 60 e o desinteresse pelos gêneros que outrora eram sucessos – como o western – ganharia força o cinema da Nova Hollywood, que trouxe sangue novo de jovens como Scorcese, Coppola, De Palma e Peckinpah.

Em seu nono – e já profetizado penúltimo – filme, Quentin Tarantino revisita o ocaso da Era de Ouro do cinema, tendo a carreira artística de personagens fictícios e o caso Tate-Labianca como plano de fundo. Na trama, acompanhamos os altos e baixos de Rick Dalton (Leonardo di Caprio), o típico ator de faroestes e filmes de ação que, após um sucesso e outro, se mantém entre participações especiais em séries de tv e margueritas frozen. Acompanhado de seu dublê, Cliff Booth (Brad Pitt), Dalton passeia de um lado para o outro em seu Cadillac em uma Holywood e um país que, após 1969, nunca mais foram os mesmos.

Era Uma Vez em Hollywood não é o típico Tarantino – ou, talvez, nao seja o típico estereótipo de filmes do Tarantino. É bem verdade que o diretor tem assinatura marcante e elementos muito característicos de suas obras… Porém, ao longo dos anos, esta identidade acabou sobressaindo junto ao público e o cineasta acabou sendo identificado por alguns adjetivos bem pontuais, como “violento”, “sarcástico”, diálogos afiados”, “sangrento”, e por aí vai. Ou seja: para muitos, a forma como Tarantino se comunica se tornou mais importante do que aquilo que Tarantino está comunicando. E Era Uma Vez em Hollywood é o filme mais maduro do “motherfucker” justamente por ser uma ousada construção de Tarantino que lima muitos de seus característicos elementos visuais e narrativos e os dispõe, de forma matemática, para surpreender e saciar o espectador – e, mais importante, conduzí-lo até o que considera essencial.

A maturidade não está apenas em sair do seguro, afinal, o público já vai assistir um Tarantino preparado para assistir um Tarantino – e não entregar algo dentro das expectativas pode causar enorme frustração aos apreciadores de seu trabalho. Mas o cineasta prova que é mais do que um “selo”. O grande valor de Era Uma Vez em Hollywood é o auto-conhecimento do diretor sobre si mesmo e sua obra, e como utiliza da própria relação com o espectador para experimentar uma nova forma de ser Tarantino – e com propósitos bem definidos: valorizar a história que está contando e trazer novos elementos para sua arte. Quentin tem a coragem e a inquietação necessários – e essenciais para qualquer artista – para não se deixar estagnar criativamente.

A surpresa em Era Uma Vez em Hollywood não está, necessariamente, na trama do cineasta, mas em nosso reencontro com o cineasta. Acabamos por explorar facetas menos usuais do artista – como sua sensibilidade e delicadeza. Também temos uma sequência inteira construída aos moldes do terror – um gênero que nunca passou pela cinematografia de Tarantino, mas que sempre pareceu um casamento perfeito. Grande fã de cinema que é, Tarantino sempre aproveitou para referenciar suas inspirações dentro de suas obras. E elas ainda estão presentes, sempre evocando aos grandes ídolos do diretor e a seus trabalhos anteriores – como a cena onde brinca com a carreira fictícia de Rick Dalton no western spaghetti e cita novamente o diretor italiano Antonio Margheriti (ou MARGUERÊÊÊÊTÊÊÊÊ, se preferir). Mas é aqui, em Era Uma Vez em Hollywood, que Tarantino está livre pela primeira vez para viver o cinema em uma relação direta, não apenas referência-lo. E não desperdiça a oportunidade, mobilizando todos as ferramentas que tem à disposição para criar uma imersão competente. Seu ritmo é outro, mais cadenciado, que busca não só desenvolver os personagens e seus conflitos, mas toda ambientação que foi planejada. Planos detalhe bem serenos, que vez ou outra apontan para um foreshadowing, mas em sua maior parte do tempo buscam focar em objetos ou ações que nos remetam à época. Potencializando o já naturalmente competente design de produção criado por Barbara Ling (Tomates Verdes Fritos, Um Dia de Fúria) e dando grande destaque aos figurinos de Arianne Phillips (Johnny & June, Animais Noturnos), Tarantino realiza uma bem sucedida viagem no tempo. E devidamente embalada por uma soundtrack que tem muito a dizer, como California Dreamin, que abre o longa. Uma escolha até meio óbvia e que poderia cair no clichê na condução de um diretor menos experiente, acaba sendo ressignificada ao longo de todo o filme e, ao final da projeção, ganha uma camada poderosa e emocionante de leitura.

Como qualquer filme sobre a indústria hollywoodiana, é possível que Era Uma Vez em Hollywood seja visto como um projeto autoindulgente, principalmente porque Tarantino não se preocupa em deixar o segundo ato mais enxuto. O diretor não parece querer sair tão cedo da experiência de revisitar a Era de Ouro do Cinema. Para alguns, poderá ser enfadonho. Para outros, as 2 horas e 41 minutos não serão sentidas. Mas o longo tempo de duração faz sentido na narrativa do filme. Aliado a todos estes outros elementos e imersão já citados, Tarantino cria uma suspensão e nos deixa na iminência da violência. Se normalmente o sangue e agressão são nossa válvula de expurgo em seus filmes, em Era Uma Vez ficamos apreensivos, aguardando o momento em que Tarantino explodirá e como serão retratados os infames crimes. A solução de Tarantino é genial, e o resultado é catártico – resultado de uma construção que percorreu o filme todo. Em especial, o final de Era Uma Vez em Hollywood funciona devido a como Tarantino insere seu terceiro ato no filme, e isto pode ser interpretado de diferentes maneiras pelo espectador:

a) O filme não possui terceiro ato;

b) A ação que catalisa o terceiro ato não parte dos protagonistas – o que deixa os personagens em antagonismo em total posição de poder;

c) Tarantino planta diversas ações que podem ser vistas como o ponto de virada para o terceiro ato.

Como de costume, Tarantino está acompanhado de um elenco estelar e retoma algumas parcerias interessantes. Leonardo di Caprio está ainda mais à vontade em sua atuação “à la tarantinesca”. Di Caprio é um ator cada vez mais impressionante. É nítido que a cada trabalho sua técnica se expande, provando ser um artista de grande porosidade e muita pesquisa. Cada fala, gesto ou olhar à sua disposição são aproveitados, e as emoções de Rick Dalton (um personagem repleto de movimentos) são retratados com muita fluidez e verdade. Brad Pitt faz um excelente contraponto a Di Caprio e nos guia para a Hollywood que existe além dos estúdios e gravações. É quem acaba por conectar os principais pólos do filme. O filme também conta com nomes como Al Pacino, Luke Perry (em seu último filme), Dakota Fanning, Damian Lewis, Maya Hawke e Bruce Dern, mas quem se destaca mesmo é Julia Butters como a atriz-mirim que atua junto de Rick Dalton em um western televisivo.

E Sharon Tate? Era Uma Vez em Hollywood é uma tocante homenagem que busca retratar Tate não como uma vítima, mas como uma profissional da indústria – com seus egos, sonhos, conquistas e dilemas. Tarantino mostra ternura ao trazer Tate de momentos em momentos, como uma figura quase angelical, nos colocando em posição de espreita. A espreita pode tanto reforçar a inevitabilidade dos crimes cometidos, como também cria um campo íntimo. Quando decide nos trazer mais para perto de Tate, é quase incômodo ao espectador – quase uma invasão – e presenciamos uma das cenas mais prazerosas do longa: Tate assistindo uma de suas últimas atuações, na comédia de ação The Wrecking Crew. Enquanto que Leonardo di Caprio é recolocado digitalmente em cenas originais, Margot Robbie não substitui Sharon Tate na película projetada na sala de cinema. A memória de Tate também é mantida em singelas decisões, como ao mostrar a atriz encomendando uma cópia de Tess dos D’Urbervilles para Polanski, livro que seria adaptado anos mais tarde pelo diretor e dedicado à esposa. Nenhum aceno é feito aos assassinos e ao líder da seita.

Era Uma Vez em Hollywood é um filme que pode ser arrebatador para aqueles que sabem o contexto no qual está inserido. Porém, mesmo para aqueles que não conhecem os fatos históricos, o longa é uma experiência única. Tarantino poderia incluir informações que dessem suporte a este público e contextualizá-lo, mas a escolha é clara. Qualquer menção sobre a realidade tiraria a potência de sua mensagem. É mais válido, antes de nutrir sua obra de respostas e suportes, deixar este espectador procurar as informações por si próprio – e se achar instigante o suficiente para tal. Desta forma, Tarantino valoriza seu filme com um elemento cada vez mais raro nas obras cinematográfica: a necessidade de reassistir. Revisitar o cinema é sempre necessário. Deve ser por isso que revisitar a Hollywood de 1969 pelos olhos de Tarantino é tão prazeroso.

Enfim…

Era Uma Vez em Hollywood é o filme mais maduro de Quentin Tarantino. E, para muitos, o mais surpreendente, já que o cineasta faz do longa um exercício para descobrir novas possibilidades de criação.

Tarantino se prova com um dos maiores nomes do cinema, além de qualquer selo, estética ou fórmula normalmente atribuída a suas obras. Aqui, descobrimos a delicadeza de Quentin e redescobrimos seu amor pela sétima arte. Um elenco poderoso, com mais uma grande atuação do cada vez mais experiente Leonardo di Caprio e uma deliciosa colaboração da novata Julia Butters, guiam o espectador pelas cores, músicas e inocência de uma Hollywood que já não existe mais.

É bem verdade que, para muitos, Era Uma Vez em Hollywood será frustrante. Mas é um risco que Tarantino corre para potencializar sua mensagem, espalhada pelas mais de 2 horas de filme e em sua conclusão… especial. Tarantino nos relembra que o cinema é a arte de contar – e recontar – histórias. E ninguém cria ficções tão reais e críticas á nossa história como Tarantino. Era Uma Vez em Hollywood é o típico filme do Tarantino – que continua sendo mais Tarantino do que nunca.

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