Análises
Análise | Black Future ’88 – 18 Minutos nos Anos 80
O fascínio dos seres humanos pelo futuro e pela tecnologia é incomensurável, e desde os anos 80 vem sido criado e aprimorado um visual tão característico que junta o futuro e a tecnologia, culminando em um gênero conhecido cheio de luzes neon e transhumanismo – o Cyberpunk. Cheio de visuais brilhantes, ambientes distópicos, consumidos pela tecnologia e uma atmosfera geralmente pesada e impiedosa, o cyberpunk mostra um mundo de desigualdade e violência onde grandes corporações mantém o controle sobre os cidadãos, e é exatamente este tipo de ambiente que Black Future ’88 apresenta.
Criado pelo estúdio SuperScarySnakes (que é composto basicamente de um desenvolvedor, Don Bellenger) e publicado pela Good Shepherd Entertainment, Black Future ’88 é um roguelike onde o jogador tem apenas 18 minutos para viver. Em 1988, as primeiras bombas atingiram a cidade, e desde então a noite e a chuva têm sido permanentes. As pessoas pararam de contar o tempo, e desde então, tem sido 1988. Uma grande torre se impõe por todo o lugar – Skymelt, a torre com vida própria, que se alimenta de toda fonte de energia disponível. Em Black Future ’88 seu objetivo consiste em subir até o topo da torre e derrotar o criador desta monstruosa vampira de energia.
Geralmente eu passaria mais tempo discutindo sobre a narrativa do jogo, mas Black Future ’88 quase não tem uma – logo após iniciar o jogo, um tutorial se inicia, mostrando suas habilidades, e daí o jogo simplesmente começa – adentre a Skymelt e suba o mais longe que conseguir – em 18 minutos, seu coração explodirá. Boa sorte.
Black Future ’88 foca mais em estabelecer uma atmosfera opressiva, característica do gênero cyberpunk, em vez de fornecer uma história detalhada. Tudo o que falei a respeito de subir a torre e sobre o que é a Skymelt é apenas resultado de sair “ligando os pontos” após algumas horas de jogo. Certas informações estarão disponíveis através de um “codex” no jogo, mas tudo é bastante vago, deixando a cargo do jogador fazer algum sentido de todas as informações. O máximo que é recebido durante o jogo são frases aleatórias ditas por Duncan, o grande chefe por trás da Skymelt, em um tom robótico e imponente.
Adentrando a Skymelt, o jogador se depara nos primeiros minutos com um sistema de jogabilidade clássico de um roguelike: Salas geradas proceduralmente, vários itens desbloqueáveis e mortes rápidas e constantes – ainda mais notáveis pelo limite curto de tempo. Controlando Hauer, seu protagonista, fica claro que Black Future ’88 é um jogo de ritmo rápido: Seus movimentos são rápidos, você pode atirar em diferentes ângulos ao seu redor enquanto corre, inimigos são abundantes e atiram constantemente, e você conta com um “dash” (quase um teleporte, na verdade) que faz com que você fique imune a estas balas. Mantenha-se sempre em movimento, desvie das balas, e escale a torre, morra e tente mais uma vez – isto sintetiza Black Future ’88.
Ao entrar em uma das salas da torre, vários oponentes robóticos surgirão e farão o possível para impedir que você chegue ao topo. Sentinelas robóticas com metralhadoras, soldados com lança-granadas e até caçadores pagos para lhe exterminar surgem proceduralmente, e após eliminar cada um deles, você pode seguir para os outros cômodos da Skymelt. Cada sala é estruturada dessa maneira, algumas vezes com terreno que pode conter armadilhas montadas que você terá que esquivar ou precipícios que podem acabar mais cedo com sua jornada, e após atravessar algumas dessas salas, você será levado a um dos quatro guardiões da Skymelt – que funcionam como os chefes do jogo.
Parece um processo demorado, mas Black Future ’88 possui um combate fluido, rápido e satisfatório, o que significa que dependendo de sua habilidade, uma sala pode ser limpa em poucos segundos. Atirar ou atacar pode ser feito com um botão de ataque, onde o jogo utilizará uma mira automática (que é realmente bem feita, raramente você terá problemas com ela) ou manual através do analógico direito ou mouse. O jogo recomenda que seja jogado com um controle, e durante toda a jogatina usado um, os problemas foram quase inexistentes. Chegar ao primeiro dos guardiões é relativamente fácil, contanto que você se mantenha em movimento. Um marcador em um dos cantos da tela vai sempre apontar a direção certa, levando ao chefe daquela seção da torre, sendo quase impossível se perder. Você pode passar mais do seu tempo explorando a Skymelt, procurando possíveis itens e talvez até personagens que precisem de ajuda, mas lembre-se do seu tempo: 18 minutos é tudo o que o seu coração vai aguentar.
Armas novas e dinheiro que caem de inimigos novos, vendedores com estoques de armas novas, munição e até transfusão de sangue (a recuperação de vida do jogo), certos objetos que podem ser reativados gastando um pouco do seu Deadlock Time (o tempo que leva até seu coração explodir), personagens novos que pedem favores – tudo isso pode ser encontrado e com certeza cada um deles te apresentará um ponto positivo e um ponto negativo caso você decida interagir com todo esse mundo. Após cada morte, tudo o que tiver sido feito será contabilizado e subirá uma espécie de sistema de experiência, onde o jogador vai desbloqueando a cada nível novas armas, novos upgrades e até novos personagens jogáveis, selecionáveis do menu principal.
Os itens encontrados durante cada sessão de jogo são sempre marcados em seu mapa, que fica em um canto da tela, fazendo com que fique fácil voltar para pegar uma arma que você esqueceu ou encontrar um ponto onde tenha um teletransportador que te leve mais próximo do seu objetivo. Porém, apenas itens de mudanças permanentes e personagens são marcados no mapa: itens consumíveis, como dinheiro, munição ou bolsas de sangue podem desaparecer em poucos segundos, sendo absorvidos pela torre. E isso não é só algo ruim porque você não tem mais acesso a esses itens – cada item absorvido pela torre tornará a Skymelt mais forte.
Quanto mais forte a Skymelt estiver, mais bônus ela pode escolher para si mesma – um sistema de progressão que em qualquer jogo seria utilizado pelo protagonista, mas em Black Future ’88 todos querem que você seja rápida e sumariamente eliminado, e a torre que a tudo consome vai ter certeza que os próximos obstáculos que você enfrentar vão ser cada vez piores. A cada quantidade de itens absorvidos, a Skymelt encherá sua própria barra de upgrades, e quando completada, ela ganhará um novo upgrade proceduralmente gerado, dificultando ainda mais a escalada do protagonista.
Mas nem tudo está perdido – ao encontrar certos aparelhos consertáveis em sua escalada e ao derrotar o guardião de um dos distritos da torre (desde os Jardins até o topo), você terá a chance de adquirir um upgrade para si; coisas como desconto nas lojas, poder realizar mais de um dash em sequência, causar dano em inimigos através do dash, ou até absorver certas balas, se curando no processo. Completamente benéfico, certo? Claro… a menos que um dos itens seja amaldiçoado.
Itens amaldiçoados são simples: Você ganhará o benefício daquele upgrade, mas você aumentará seu nível de maldição. Isso quer dizer que você terá maior tendência a encontrar inimigos ou chefes duplamente mais rápidos, agressivos e resistentes (e que deixam cair mais dinheiro). Não há cura para a maldição, a não ser a morte. Alguns itens também são amaldiçoados, tendo o mesmo efeito quando você os equipa, o que pode trazer, em teoria, um sistema de risco versus recompensa, mas o grande problema é que ter inimigos mais agressivos para que no fim eles deem mais dinheiro, que é algo cujo uso vai depender da sua sorte em encontrar uma loja, e que ainda pode ser absorvido pela torre caso você cometa algum deslize, não é uma troca justa. Certas armas também aumentam de poder proporcionalmente ao seu nível de maldição, mas no fim das contas, vale mais a pena separar o dinheiro que você ganha normalmente do que mexer com upgrades e armas amaldiçoadas.
Ainda falando dos itens, existem os chamados “Stims”, upgrades que podem ser instalados caso você encontre um vendedor destes ou derrotando certos inimigos. Stims são upgrades muito benéficos que te garantem bônus como atirar mais rápido, um ponto de armadura ou até aumentar seu Deadlock Time, mas você pode acabar com uma infecção sanguínea se usar Stims. Uma infecção vai danificar um dos pontos da sua barra de vida, aumentar muito o dano que você recebe e fará com que você não possa mais se curar até que a infecção seja tratada. Infelizmente, o único jeito de tratar a infecção é levar dano até que aquele ponto da sua barra de vida se esvazie, e isso pode ser (e muitas vezes será) fatal, trazendo mais uma vez um elemento de risco versus recompensa. Quanto maiores os riscos tomados, maior a recompensa.
Felizmente, as armas do jogo não são amaldiçoadas muito frequentemente, e elas são diversificadas o suficiente para que você sempre tenha vontade de experimentar uma arma nova. Armas com balas que ativam gases explosivos, armas que atiram o seu próprio dinheiro, armas simples como uma escopeta que atira cinco balas, e até armas que trocam o jogador de lugar com seu alvo. A capacidade de carregar duas armas ao mesmo tempo e trocá-las com o apertar de um botão faz com que o combate fique bem dinâmico e variado.
Visualmente falando, Black Future ’88 é um jogo com muito estilo – os ambientes são bem detalhados e cheios de animações e detalhes que dão vida a cada pedacinho do jogo, como um metrô passando ao lado da torre a toda a velocidade ou fumaça de veículos e robôs sendo projetada em diferentes camadas do ambiente. Os personagens são bem animados, apesar de algumas animações de “idle” um pouco estranhas (quando personagens estão parados) e o jogo roda relativamente bem. Em certos momentos quando muitas coisas aparecem na tela e uma chuva de balas cobre sua visão, a taxa de quadros começa a cair, mas nada que atrapalhe tanto ou por tanto tempo o fluxo do jogo.
Infelizmente, o jogo possui alguns problemas com relação à sua UI – as interfaces de barras de vida e armas equipadas, ou até as caixas de texto com os diálogos e frases de Duncan. Muitas vezes as interfaces mencionadas acabam ficando na frente do seu personagem, já que cada andar em seu progresso até o chefe começa de baixo para cima e certas lutas contra os guardiões – o que com certeza atrapalha e pode fazer com que você receba dano por não enxergar o que está acontecendo. O jogo oferece uma opção de diminuir o tamanho da UI, o que diminui as caixas de texto e das armas que atrapalhavam, mas isso também significa diminuir o tamanho da sua barra de vida e do Deadlock Time, duas coisas que você PRECISA ficar de olho. É algo que seria muito simples de consertar, basta que a UI fique transparente quando o personagem estiver por trás dela. Do jeito que está, é muito provável que você leve dano injusto ou até caia de abismos porque não consegue ver a plataforma.
Caso não dê para perceber, o Hauer está bem ali onde as caixas indicando as armas estão. Sim, ali tem uma plataforma, e se você andar um pouco pra frente, vai cair no abismo.
Além disso, certos elementos visuais parecem estar estranhamente ausentes ou sem impacto suficiente. Por exemplo, quando é atingido, seu personagem pisca de cor branca por um breve segundo, mas no meio de um tiroteio cheio de luzes, balas e elementos visuais brilhantes quase neon, fica difícil perceber que você foi atingido. Um pouco mais de impacto no efeito visual, talvez se o personagem continuasse piscando por mais tempo, poderiam mitigar esse problema. Ainda em problemas com falta de impacto, certos golpes dos guardiões não deixam claro o suficiente que são GOLPES e podem atingir o jogador – certas investidas, como a de Dr. Avalanche, não parecem machucar, até que você olha para sua barra de vida e ela de repente ficou pela metade. Mais impacto visual, mais destaque nos golpes, brandires de espada, investidas – todos os tipos de ataque que não envolvem balas – mereciam mais indicação de que aquilo deve ser evitado.
E eu já falei que um inimigo que se autodestrói não explode ou dá nenhuma indicação (visual OU sonora) que ele explodiu ou que você tomou dano, mas toda vez que ele se autodestrói ele irá causar dano não importa onde o personagem esteja na tela? Imagine a sua confusão se um inimigo como esses aparece no meio de um tiroteio, você se afasta dele e de repente seu personagem simplesmente morre. Qualquer detalhe visual, mesmo que um flash branco simples, algo como Guacamelee fez com seus inimigos que se autodestroem, seria incrivelmente bem-vindo, mas do jeito que está, Black Future ’88 dá a impressão de que certos elementos nele estão simplesmente faltando, e com certeza vai levar a mortes que parecem injustas.
Ele se autodestrói. Ele é o culpado.
O jogo possui uma trilha sonora que cai perfeitamente bem com a atmosfera opressiva e intensa do jogo, e caso você já goste de gêneros como synthwave, Black Future ’88 será um deleite para seus ouvidos. O jogo permite que você mude a música a qualquer momento, o que é agradável se você preferir uma música e não gostar de outra, mas tira um pouco da identidade de cada parte da torre. Em termos de efeitos sonoros, a grande maioria deles é perfeitamente fácil de identificar e guiar o jogador no que está acontecendo, o caos de várias armas sendo disparadas ao mesmo tempo aumenta a adrenalina, e a voz robótica de Duncan sempre presente é um ótimo detalhe para dar um quê a mais na atmosfera, mas como mencionado anteriormente, certos sons parecem estar simplesmente ausentes – usando como exemplo mais uma vez o inimigo que se autodestrói, causa dano e não há nenhum efeito sonoro ou indicação que explodiu e causou dano.
Adicionalmente, certos sons não estão bem normalizados com o resto do jogo. O efeito sonoro quando seu personagem é atingido é perfeitamente audível jogando como Hauer, o primeiro personagem, mas é bizarramente quieto jogando como qualquer um dos outros personagens. Em uma sala sem muitos inimigos ou com inimigos simples o efeito sonoro é distinguível, mas quando você está no meio de um tiroteio com vários robôs com metralhadoras, bombas e explosões, é praticamente impossível ouvir a indicação de que você foi atingido – o que é agravado pela falta de impacto visual, como mencionado anteriormente. Todas essas são pequenas irritações que não parecem muito importantes, mas juntas causam situações injustas e subtraem da sua experiência, ainda mais em um jogo onde quase tudo é gerado proceduralmente. A dificuldade de um roguelike é parte dessa experiência, e Black Future ’88 não é exceção a essa regra, mas a dificuldade deve vir de desafios bem programados e possíveis, não de pequenos detalhes importantes que são omitidos. A intenção de implementar dificuldade alta não é desculpa para design descuidado.
Tente notar se o seu personagem pisca uma vez enquanto tudo isso acontece.
Ao final de sua jornada pela Skymelt, você finalmente chegará a Duncan, o chefe das operações e criador da torre. Normalmente, evitaria de descrever esta parte para evitar spoilers (e não vou falar muito sobre a luta contra Duncan, ao menos um pouco da experiência tem que ser conservada), mas sinto que o final de Black Future ’88 é um aspecto importante a ser considerado, por um motivo muito simples: O jogo não possui fim.
Chegar até o topo da torre e finalmente derrotar Duncan é uma conquista e com certeza serve como um marco do “final” de uma jogatina, mas se estamos falando de um final próprio, com uma conclusão e talvez uma rolagem de créditos, Black Future ’88 não possui nenhum. Talvez se absolutamente tudo no jogo for desbloqueado alguma coisa se revele, mas é extremamente improvável. Tudo o que o que vê ao término do jogo é uma imagem e três linhas de texto, dizendo que Duncan foi derrotado, mas você (parafraseando diretamente o jogo) “precisa voltar no tempo”. É algo que não incomoda tanto depois que se chega ao final mais de uma vez, mas que definitivamente faz falta na experiência como um todo.
Mecanicamente, é bem claro que o jogo quer proporcionar uma experiência em estilo arcade, onde você segue o mais longe que conseguir até os 18 minutos acabarem para pegar o “high score” (no caso, mais experiência), e não há nada de inerentemente errado com isso, mas desde o início o jogo dá a entender que existe um objetivo final ou uma conclusão a ser atingida, apenas para ter algo curto e decepcionante no final. Se fosse um jogo construído com base em uma premissa que facilitasse a repetição infinita, como o Pac-Man original ou Akane, ou até mesmo se o jogo tivesse uma conclusão final e mesmo assim continuasse, como vários jogos da era de NES e arcade, este parágrafo nem estaria sendo escrito.
Em conclusão, Black Future ’88 é um jogo rápido, cheio de estilo e que funciona muito bem para jogatinas curtas e viciantes, mas possui vários erros pequenos que se acumulam e acabam subtraindo da experiência de modo considerável, especialmente em jogatinas longas. É um jogo para ser jogado ocasionalmente em curtos períodos de tempo, desbloqueando upgrades novos aqui e ali, e aperfeiçoando pouco a pouco suas habilidades, seja em um jogando uma partida solo ou cooperativamente. É um jogo que tem falhas notáveis e que podem ser frustrantes em diversas ocasiões, mas se você estiver ciente dessas falhas desde o início, ainda existe um jogo divertido a ser tirado de Black Future ’88. Sua natureza frenética e tempo limite máximo de 18 minutos fazem com que ele seja mais divertido e menos punitivo do que jogos como Rogue Legacy ou Spelunky, sem perder o fator desafio.
Black Future ’88 está disponível para PC e Nintendo Switch, por volta de R$40 (Steam), o que é um pouco caro para o que o jogo é. Se quiser experimentar o jogo, fica a recomendação de esperar o preço baixar um pouco.
Cientista Ambiental, Ilustrador, Tradutor e Editor que vive de cabeça nas nuvens. Anda ouvindo a OST de Danganronpa, é pai de 4 gatos, ri de coisas sem sentido, é vegetariano e tem uma paixão por maracujá. Ama jogos de plataforma, histórias bem contadas e tem mania de jogar coisas esquisitas, e seus jogos favoritos incluem as sagas The Legend of Zelda e Metal Gear, Super Metroid, Persona 5 e Shadow of the Colossus.