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Análise | Strayed Lights – Souslike pode ser acessível?

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Análise | Strayed Lights – Souslike pode ser acessível?

Strayed Lights se propõe a trazer o cerne do combate souslike para uma experiência indie mais leve e acessível. Pode não parecer, mas esse é um tremendo desafio.

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A primeira vez que ouvi falar de Strayed Lights foi no dia de seu lançamento – o que não é culpa de ninguém senão minha. Fora que um jogo independente de um estúdio estreante nem sempre consegue ter uma grande divulgação midiática. De qualquer forma, seus visuais incríveis com um fantástico trabalho de cor – que me pareceu muito reminiscente da franquia Ori (Blind Forest e Will of the Wisps) – me chamou a atenção. O fato, então, da trilha sonora ser de autoria de Austin Wintory – responsável pelas arrebatadoras músicas de jogos como Journey, The Pathless, Abzû e The Banner Saga – mexeu comigo.

O que me convenceu a jogar, contudo, foi sua proposta: um atmosférico jogo de ação e aventura com um combate fluido e desafiador. “Use um fluido mix de parries e esquivas para absorver [a energia de seus inimigos]”, diz o site oficial do game. Um “souslite”, foi o que senti, com confrontos centrados em aparar ataques e contra-atacar, porém numa roupagem mais acessível, para alcançar jogadores menos exigentes e que busquem uma experiência mais leve.

Como conciliar esses dois opostos? Do técnico e exigente combate popularizado nos dificílimos soulslike e de uma vibe mais leve e contemplativa que jogos indie semelhantes a ele oferecem. Era o que eu queria descobrir.

O conceito de aparar ataques – o famoso “parry” – não é uma mecânica nova nos games. De fato é possível datar suas origens nos anos 80, como em The Mysterious Murasame Castle (1986), onde era possível defletir projéteis com a sua espada – desde que atingidos numa curta e precisa janela de tempo – a até mesmo em Prince of Persia (1989) que permitia sempre atingir os guardas com sucesso ao contra-atacar numa fração de segundo após se defender.

Posteriormente, a SNK traria a mecânica para os jogos de luta em Samurai Shodown II (1994); gênero esse onde o parry floresceria, por permitir combates ofensivos de alto nível e momentos memoráveis, como o clássico EVO Moment 37 de Street Fighter III. Nos jogos de ação, contudo, o parry se tornou uma grande estrela mais recentemente, com Sekiro: Shadows Die Twice, vencedor de Jogo do Ano no The Game Awards 2019.

Nele, a mecânica favorecia jogadores ofensivos, que partiam para o ataque e decoravam os padrões e janelas de abertura de seus inimigos a fim de aprender os momentos certos para se defender e contra-atacar. Tanto que, além de uma barra de vida decrescente, os oponentes agora possuíam uma barra de postura crescente – que era preenchida de forma muito mais eficiente ao aparar ataques com sucesso. Quando totalmente preenchida, o inimigo perdia o equilíbrio, abrindo uma grande janela para executá-lo num ataque só.

Isso não quer dizer que o parry não estivesse presente nos jogos de ação de outrora – inclusive nos da própria From Software, como Dark Souls e Bloodborne – mas Sekiro traria tal vida e destaque para a mecânica que ela passaria então a ter um maior valor posteriormente, como em Star Wars Jedi Fallen Order e Wo Long: Fallen Dynasty. Até mesmo God of War adicionou uma barra secundária aos inimigos em sua sequência, Ragnarok, que funcionava de forma semelhante.

Nem todos são fãs dessa mecânica, claro, por se tratar uma ação um pouco mais técnica, exigente e até mesmo um pouco contra nosso instinto natural. Afinal, a primeira reação a uma ameaça de ataque é se defender ou desviar. O parry te instiga a enfrentá-la de frente, a perder o seu medo, a esperar o momento certo – aumentando o risco em troca de uma recompensa maior. Logo, apresentá-lo como mecânica central num game que se propõe a ser mais leve e acessível gera curiosidade, mas pode também se provar um enorme desafio.

Via de regra, os primeiros momentos de um jogo (e de grande parte das obras de entretenimento, de verdade) servem para ensinar o público – apresentar o mundo, personagens, regras, conflitos – e obviamente isso se aplica às mecânicas, por mais repetitivas ou derivadas de outros jogos que elas possam ser. Como andar, como mover a câmera, o que cada botão faz… A melhor prática é presumir que o jogador não sabe nada. No caso de Strayed Lights, após introduzir a movimentação básica, o primeiro tutorial apresentado é como usar o parry (o que deixa claro sua importância na experiência).

No jogo a influência de Sekiro se faz presente, mesmo que ligeiramente recontextualizada: seu inimigo possui uma barra de vida que pode ser drenada com ataques convencionais, mas você também possui uma barra de energia, que aumenta aos poucos ao atacar, ou grandemente ao aparar ataques inimigos com sucesso. Quando cheia, você pode finalizar o inimigo de uma vez. A progressão se dá em pequenas doses à escolha do jogador: algumas áreas abertas para serem exploradas a seu ritmo e ordem desejadas, enfrentando inimigos menores até alcançar o chefão local (que geralmente possui duas etapas).

Contudo, Strayed Lights busca se diferenciar de duas formas: ampliando o tempo de reação dos movimentos ofensivos e defensivos, e também acrescentando uma mecânica completamente nova – a troca de cores. Aqui, seus inimigos podem reluzir em três cores diferentes: azul, vermelho e roxo. Logo, o jogador precisa alternar sua própria cor entre azul e vermelho pressionando um botão, pois o parry só pode ser devidamente realizado se ambas as cores (oponente e jogador) forem iguais. Ataques roxos não podem ser aparados, e o jogador deve desviar deles. Tudo isso traz diversas assimilações que o jogador precisará fazer (cor, timing mais solto e comportamento inimigo).

Ao adentrarmos em mundos virtuais, nos familiarizarmos com eles através do feedback de nossos inputs: sabemos se é possível saltar com o Mario sobre um abismo porque interagimos com ele e a física de seu mundo e assimilamos o funcionamento dele em nossa mente, reflexos e até memória muscular. Quando se trata de um combate – onde precisamos reagir a um inimigo ou obstáculo perigoso – existem dois caminhos para o jogador: a memória e os reflexos.

Bons tempos de reação ajudam jogadores a se aproveitar de boas oportunidades, mas ele só saberá identificar essas oportunidades ao estudar, memorizar ou encarar repetidamente os possíveis comportamentos de seus oponentes – sejam eles outros jogadores ou a inteligência artificial do jogo.

No caso de jogos de luta contra jogadores humanos, um jogador profissional saberá que, ao realizar um movimento ou ataque específico, seu oponente ficará vulnerável por frações de segundo, permitindo uma reação. Contra IAs, por sua vez, os padrões podem ser mais previsíveis, e aprendê-los leva o jogador a um tipo de dança, acompanhando seu ritmo e movimentos.

Logo, quanto mais central a reação do jogador for para seu sucesso no jogo, e quanto mais ações possíveis seus oponentes forem capazes de realizar, mais tempo é necessário nessa dança para que os passos sejam aprendidos – ou ao menos o ritmo da música, nessa metáfora. E aqui podemos ver uma das principais lacunas de Strayed Lights: ao tentar oferecer combates mais fáceis/acessíveis, os jogadores acabam por passar menos tempo enfrentando (e, portanto, aprendendo) seus oponentes e a si mesmo.

Some isso a uma mecânica nova a ser aprendida (trocar de cores) e a uma movimentação de combate mais lenta e solta e fica difícil realmente apreciar a ação de enfrentar seus inimigos no game. Os chefões são um espetáculo audiovisual, assim como a maioria dos ambientes do jogo, mas sua mecânica central é amarga. Sua semelhança etérea a Ori não reflete no prazer de controles precisos e na empolgação que seus desafios oferecem.

Por fim, afrouxar as rédeas de algo que funciona justamente por ser tão curto pode exigir mais do que o esperado. No inglês, jogos com essa velocidade costumam ter seus controles adjetivados como “apertados” (tight controls) e Strayed Lights acaba por deixar largo demais – outro termo comum no inglês, floaty, ou flutuante. Você não sente seus pés firmes no chão, e acaba brigando não só com seus oponentes, mas com os controles e com seu próprio cérebro por não sentir que as coisas acontecem de forma responsiva o suficiente. Creio que seja possível encontrar esse equilíbrio, mas não é o caso aqui.

Strayed Lights capricha e deslumbra na sua apresentação visual e trilha sonora, contando uma aventura emocionante – nos pequenos e delicados, e nos grandes e épicos momentos. Assistir ao que acontece na tela e ouvir a música que acompanha é ótimo, com destaque para incríveis chefões gigantes e alguns conceitos bem legais. Mas essa capa exterior não comporta sua mecânica central que precisava ser um pouco mais “tunada” e polida – além de faltar conteúdo que permitisse mais tempo para pegar seu ritmo. Com esse grande desfalque e sua curta duração, fica difícil recomendar o game – em especial pelo seu preço nas lojas digitais. É uma pena, pois há muito a se gostar nele.

Formado em Design de Games pela Universidade Anhembi Morumbi e com mais de 5 anos de experiência como Motion Designer e Editor de Vídeo, já palestrou sobre GameDev e leva os joguinhos à sério por mais que sua mãe diga que não dá dinheiro (não dá)

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