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Crítica | O Farol – Diabruras à bordo e problemas com peixes

Cinema

Crítica | O Farol – Diabruras à bordo e problemas com peixes

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Depois do sucesso estrondoso que foi  A Bruxa, o diretor Robert Eggers traz o mesmo fascínio histórico numa exploração psicológica dos segredos que guardamos e as verdades que não temos coragem de encarar, uma história perturbadora, que não perde tempo tentando se explicar e confia que o público tire as próprias conclusões. Só que desse vez com menos milho e mais tentáculos.

O Farol mostra a história de dois faroleiros no século XIX, o novato Ephraim Winslow (Robert Pattison) e o veterano Thomas Wake (Willem Dafoe), que passarão as próximas 4 semanas juntos cuidando da manutenção da estrutura. Desde o começo a tensão entre os dois é palpável, a personalidade reservada de Winslow entrando constantemente em atrito com as excentricidades e superstições de marinheiro de Tom. E quando eles começam a se entender melhor, uma tempestade inesperada impede retorno deles ao lar e destrói as provisões, a convivência fica mais dificil, e segredos que ambos começaram a guardar começam a vir a tona.

Na premieré do filme na 44ª Mostra Intenacional de Cinema de São Paulo, o diretor Robert Eggers disse que, mais do que criar filmes, ele usa o cinema como desculpa para pesquisar, recriar e habitar os momentos históricos que o fascinam. Isso já era visível em A Bruxa e a sensação de ver O Farol é de fato de habitar a idealização do objeto de estudo de um nerd de história. Mas mais do que uma detalhismo obcessivo masturbatório, Eggers usa seu fetiche histórico para imergir o espectador numa trama perturbadora e angustiante. A torre do farol, construida inteiramente para o filme, é um ambiente inóspito, sem privacidade e constantemente atormentado pelo som das ondas e as gaivotas. A fotografia, filmada em razão de aspecto 19.1:1 (Tela quadrada) e em preto e branco, torna a atmosfera ainda mais opressora e claustrofóbica, com a câmera sempre próxima aos atores, o público sempre fica desconfiado do que está além do plano. O jogo de luz e sombras aumenta o desconforto, e também ressalta o estado mental dos personagens. O isolamento, os segredos ocultos, a crescente desconfiança e paranoia dos protagonistas são escancarados pelas poucas fontes de luz, enquanto as sombras começam a tomar conta do ambiente.

O som do filme também é essencial na criação dessa atmosfera, seja no clangor estrondoso das máquinas ou os silêncios ambientes ensurdecedores, a paisagem de aúdio acompanha primorosamente o psicológico dos personagens, sem nenhum medo de favorecer um elemento sonoro acima de todos, como em muitas ocasiões a trilha musical de Mark Korven, para atingir o sentimento desejado.

Num filme de dois personagens presos um com o outro a quimica entre os atores precisa ser impecável, e felizmente Pattison e Dafoe são perfeitos um com o outro. O incômodo constante de Winslow, constantemente provocado pelo seu supervisor excêntrico Thomas, que transita de um velho marinheiro bem humorado para um patrão abusivo e controlador, o tipo de personagem extremamente caricato que estamos acostumados a ver Dafoe se deliciando ao interpretar, e ainda assim retratar de forma convincente e credível. A relação desses dois homens, tanto nos momentos explosivos quanto nos mais sutis, é o que mantém esse filme com os pés no chão.

Isso porque o filme faz uso liberal de imagens de cunho mitológico, alegórico e lúdico. Apesar de não chegar a ser um filme “fantasioso”, as  visões e aparições sobrenaturais adicionam uma camada adicional de significado ao filme, que não faz questão de se explicar. Com a sugestão de mitologias pagãs, helenísticas, folclore americano, lendas marítimas e até Lovecraftianas, o filme induz a interpretações mais aprofundadas aos eventos que transcorrem. Quando se percebe isso, tudo pode ser mais do que se vê na superficie, e coisas como a luz do farol passam a ser tão sinistras quanto a escuridão.

No fim das contas O Farol é um filme bem simples sobre dois homens ficando lelés da cuca devido a solidão prolongada. Mas a proeza técnica do diretor em criar um mundo imersivo e rico em detalhes, unida às interpretações admiráveis dos atores principais e a quantidade certa de mistério que a história deixa para o público solucionar tornam o filme maior que a soma das partes, mais uma prova que Eggers é uma das melhores vozes criativas no gênero de terror, que tanto carece de ideias novas.

É desse tipo de filme que precisamos mais em Hollywood.

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