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OPINIÃO | Um esport ideal para as Olimpíadas
Com o esport cada vez mais perto das Olimpíadas, haveria um candidato ideal para a esperada estreia dos jogos eletrônicos?
Nunca houve na história um cenário tão ideal para a entrada dos esports nas olimpíadas quanto o atual. A chegada do primeiro ministro do Japão no Maracanã durante o evento no Rio em 2016 – que emergiu de um icônico cano verde com as vestimentas do Mario – foi um dos mais significativos reconhecimentos dos videogames dentro do evento até então. Sendo o Japão tão importante para a indústria e a próxima sede do evento, era certo de que ao menos veríamos diversas menções e referências aparecendo. E embora esse não tenha sido exatamente o caso, a Olympic Virtual Series – uma demonstração de alguns esportes virtuais – na véspera das Olimpíadas de Tóquio foi nomeada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como “o primeiro evento licenciado pelas Olimpíadas da história para esportes virtuais não-físicos”. Logo, estando os esports aparentemente a poucos passos do evento oficial, haveria um candidato ideal para a grande estreia?
Os Debates
Embora os debates e os obstáculos ainda sejam proeminentes (e falaremos mais sobre eles), e independente se os esports devem fazer parte das Olimpíadas ou terem um evento próprio, é inegável que a validação e o reconhecimento do grande público frente a eles é só uma questão de tempo – e muito pouco tempo, inclusive. Vindo de uma cultura nascida da internet, a proliferação de jogadores e espectadores dos mais diversos tipos de jogos eletrônicos possui um crescimento não só acelerado como também exponencial – em especial para as gerações mais novas e habituadas com o meio.
Comparativamente, por exemplo, durante as Olimpíadas de 2016 citadas anteriormente, a NBC, detentora dos direitos de transmissão das Olimpíadas nos EUA desde 1988, teve uma audiência de cerca de 27 milhões de espectadores. Já o League of Legends World Championships nesse mesmo ano, alcançou cerca de 43 milhões. Um relatório da Newzoo’s Global Esports and Live Streaming Market apontou que 76% das pessoas que assistem competições de esports preferem vê-las a assistir eventos de esportes tradicionais.
Durante um TEDx Talk no qual defende que os esports deveriam estar nas Olimpíadas de 2024, Jon Pan comenta sobre como tem se tornado mais caro e difícil acompanhar esportes tradicionais já que grande parte do conteúdo fica restrito a canais como ESPN e SporTV, por exemplo, enquanto esports podem ser acompanhados livre e diariamente nos canais de streaming dos jogadores, equipes e eventos. Segundo ele, o interesse em praticar esportes tradicionais do público mais jovem também tem diminuído significativamente, além da idade dos espectadores/praticantes de esportes tradicionais ser cada vez maior.
É compreensível, então, o interesse do COI em trazer modalidades que interessem mais a esse público, como o surfe e o skate que estrearam nessa edição do evento. Contudo, a Olympic Virtual Series, embora um grande passo para a entrada dos esports, escancara a dificuldade e o conservadorismo do comitê em relação aos jogos eletrônicos. Interessados em fazer com que os esports levem o público a se interessar por esportes tradicionais, o evento optou por trazer apenas “simulações de esportes reais” com simuladores de ciclismo, remo e vela.
Os mais próximos dos jogos eletrônicos como os conhecemos foram Gran Turismo e eBaseball. Embora StarCraft II tenha figurado nos jogos olímpicos de inverno de 2018 em PyeongChang, sua demonstração não foi considerada oficial pelo COI. Tal decisão para as olimpíadas deste ano mostra o desinteresse do Comitê em reconhecer e validar os esports, tratando-os como figurantes para a atração principal, e não como iguais.
Quais seriam, então, os desafios que os esports precisam superar para fazer parte do evento oficialmente? Segundo o COI, existem três critérios exigidos para que um esporte possa ser incluído no programa dos Jogos Olímpicos: Ser governado por uma federação internacional que aceite seguir as regras do contrato olímpico; Ser praticado por homens em pelo menos 75 países entre quatro continentes e/ou por mulheres em 40 países entre três continentes; E, por fim, ser reconhecido amplamente como um esporte.
Classificação
A IESF – International Esports Federation – foi fundada em 2008 e possui regras e regulamentos para torneios, comitês e até implementações de regras Anti Doping. No máximo, o que lhe falta é o reconhecimento e aceitação por parte do COI e a sua adoção por parte das maiores desenvolvedoras de jogos. Um critério a menos. O segundo é ainda mais fácil: homens e mulheres em mais de 150 países em todos os continentes participam ativamente de competições no mundo dos esports. O último, contudo, é o mais complicado.
“Atletas de esporte de alto nível são capazes de sustentar altos níveis de atenção e tomar decisões importantes sob a pressão do tempo […]. Para ser bem sucedido numa partida de esport, capacidades motoras e habilidades, especialmente a coordenação motora precisa das mãos e dedos, além da coordenação entre olhos e mão e a resistência local são decisivas […]. Para ter a melhor performance nos esports, distintas habilidades de percepção e reação específicas do jogo são necessárias […]. Assim como nos esportes clássicos, treinar leva à melhora de habilidades motoras e cognitivas que são características do jogo. Além disso, conhecimento tático específico do jogo possui um papel decisivo em relação ao sucesso em competições de esports. Por fim, mas não menos importante, um aumento no gasto calórico pode ser observado em jogadores durante uma competição em decorrência das ações do jogo”, é o que argumenta-se num artigo do European Jounal for Sport and Society – que por sua vez usa como base referências de diversos outros lugares, como a U.S. Sports Academy.
Prova disso é um dos argumentos mais utilizados pelo COI contra a presença dos esports nas olimpíadas: a violência. “Nós temos uma linha vermelha muito clara de que nós não queremos lidar com nenhum game que seja contrário aos valores olímpicos. Qualquer jogo onde a violência seja glorificada ou aceita, onde você possua qualquer tipo de discriminação, eles não tem nada a ver com os valores olímpicos” declarou o presidente do COI Thomas Bach em 2017, após o Comitê ter votado unanimamente por laços mais próximos com as comunidades de esport e jogos eletrônicos.
Por fim, há uma última porém enorme dificuldade nos esports que os distanciam do reconhecimento olímpico e que deve ser mencionada: sua democratização.
Acessível Para Todos
Jogos eletrônicos, no fim, são produtos de empresas privadas cujo objetivo final é o ganho financeiro. Enquanto qualquer pessoa pode ir à uma loja comprar uma bola e praticar (salvo proporções) futebol em casa, na rua ou numa quadra em sua cidade, jogadores de videogame são reféns dos acordos de uso dos jogos – e no caso dos consoles, das plataformas também. Até recentemente, transmitir jogos da Nintendo online poderia lhe render um banimento por infringir os termos de uso de seus jogos (apesar de até mesmo ela ter cedido perante ao gigante mercado de esports e ter feito uma parceria para tornar Splatoon 2 e Super Smash Bros. Ultimate jogos oficiais para bolsas universitárias nos EUA).
Enquanto pode-se argumentar do acesso elitizado de esportes como hipismo, ou da restrição geográfica de alguns esportes de inverno, a dependência dos games para com suas empresas criadoras trás diversos obstáculos. Por exemplo: caso um jogo não esteja mais rendendo o lucro desejado, a empresa proprietária pode decidir desligar seus servidores (como acontece por diversas vezes até mesmo em menos de um ano de vida do jogo) ou então lançar atualizações que mudam completamente sua forma de funcionar a fim de manter o interesse do público. Para figurar livremente nas olimpíadas, os games deveriam ser mais acessíveis (gratuitos e/ou funcionar em aparelhos mais baratos), e estarem desassociados de suas marcas.
Enfim. Sabemos que os esports buscam reconhecimento e que as Olimpíadas precisam desesperadamente alcançar um público maior e mais jovem. Conhecemos os aspectos do debate sobre a classificação dos esports no evento, e vimos alguns games fazendo suas primeiras participações, porém como “simuladores dos esportes reais”. Sabemos também alguns aspectos essenciais para que um jogo eletrônico seja aceito pelo Comitê: não-violento, acessível e democrático, consistente (não muda drasticamente ao longo do tempo) e possível de se jogar independente de estruturas privadas (servidores online das empresas proprietárias). Permita-me então sugerir um candidato ideal para a entrada definitiva dos esports nas olimpíadas:
Um Perfeito Candidato
Calma! Antes que você feche essa janela em frustração e desista de mim, considere o que tenho a dizer: Tetris é um dos mais ideais candidatos a esport estreante nas olimpíadas. Vamos aos porquês.
Tetris foi lançado originalmente em 1984, sendo assim já um jogo “antigo”, e sim, pertence a uma empresa privada. Contudo, é dos jogos eletrônicos mais acessíveis e que mais permaneceram relevantes ao longo do tempo – muito provavelmente você já jogou alguma variação de Tetris num videogame de R$1,99, ou num aparelho “pirata”, numa fita/CD de 1000 jogos em 1 ou até mesmo no celular. Você pode baixá-lo de graça, ou até mesmo jogá-lo através do seu navegador de internet através do site oficial do jogo. Um grande público “não-gamer” reconhece Tetris quando vê, e não tem dificuldades em entender suas regras. E acredite ou não, até mesmo uma terceira nova técnica de botões foi descoberta esse ano que permitiu aos jogadores profissionais serem ainda mais rápidos.
Além de sua versão tradicional, recentemente o game explodiu novamente em popularidade com novas variações da fórmula original (que continuam a surgir até hoje) com Puyo Puyo Tetris em 2014 – que obrigava os jogadores a revezar Tetris e Puyo Puyo (um jogo semelhante de conectar cores) ao mesmo tempo – Tetris Effect em 2018 – que imergia os jogadores em realidade virtual com sinergias sonoras e visuais (e também recebeu uma versão multiplayer em 2020) – e Tetris 99 em 2019, onde 99 jogadores disputavam ao mesmo tempo atacando uns aos outros com suas jogadas até que restasse apenas um (o qual também recebeu uma adaptação para celulares). Esse ano Tetris Beat será lançado no serviço Apple Arcade e irá misturar Tetris com batidas musicais adicionando ritmo à jogabilidade. O exemplo mais recente, Tetris 99, que foi lançado apenas para o Nintendo Switch e apenas para assinantes do serviço online do console, foi jogado por quase 3 milhões de pessoas apenas em 2019. Estima-se que quase 500 milhões de unidades do jogo Tetris (em suas variações oficiais) tenham sido vendidas ao longo do tempo.
O CTWC – Classic Tetris World Championship – é um evento anual que acontece desde 2012, apesar de campeonatos oficiais de Tetris datarem desde o Nintendo World Championship de 1990. Sua comunidade é unida a ponto de a página inicial do CTWC registrar até hoje uma nota de luto por Jonas Neubauer, 7 vezes campeão do evento que faleceu em Janeiro deste ano. Grandes acontecimentos do cenário são registrados em vídeo e preservados pela organização, como quando um garoto de 16 anos venceu o consagrado Neubauer na final de 2018. O jogo possui estudos científicos, documentários, livros e até um filme em produção retratando a história de como o game chegou ao mercado ocidental.
Suas regras são simples, existem diversas jogadas e espaço para personalidade e expressão, diferentes técnicas de manuseio dos controles, sua popularidade continua grande e crescente mesmo quase 40 anos depois, uma quantidade enorme de pessoas pode ter fácil acesso ao jogo, novas ideias continuam a surgir, e suas disputas podem ser surpreendentemente emocionantes. Assistir à habilidade e destreza de grandes profissionais é tão impressionante quanto em qualquer outro esporte.
Acredito que seja possível existir uma versão de Tetris que seja mais visualmente atrativa para um público maior, que permaneça acessível e competitiva, e possa levar o game – e o mundo dos esports – ao almejado reconhecimento olímpico. Por mais que os esports já recebam mais reconhecimento do público jovem do que as próprias olimpíadas em si.
Formado em Design de Games pela Universidade Anhembi Morumbi e com mais de 5 anos de experiência como Motion Designer e Editor de Vídeo, já palestrou sobre GameDev e leva os joguinhos à sério por mais que sua mãe diga que não dá dinheiro (não dá)