Análises
Análise | Metroid Dread – A mãe dos ‘metroidvanias’ tá ON
Metroid Dread trás de volta a clássica fórmula da franquia com extremo polimento numa incrível jornada que requer muita coragem
Aristóteles já dizia: “a coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras”. Pode-se dizer que amar, ou tomar grandes decisões, ser você mesmo ou até enfrentar desafios requer coragem, por exemplo. Em Metroid Dread – o primeiro jogo da franquia a seguir seu formato side-scroller original desde Metroid Fusion em 2002 – a protagonista Samus Aran é a própria personificação da coragem. E guiá-la através dessa nova missão promete mostrar ao jogador as mais incríveis recompensas que aguardam os corajosos. E já adianto: vale cada brilhante segundo.
TENTE OUTRA VEZ
Caso não seja um fã assíduo da série, o subtítulo “Dread” pode não carregar muito significado para você. Porém, os mais inteirados no assunto vão ter ao menos a impressão de que já o conhecem. E eles não estão errados.
Yoshio Sakamoto, o produtor da série, começou a elaborar suas ideias para Metroid Dread logo após Metroid Fusion. Sua ideia era transmitir a sensação de medo/horror (“dread” no inglês) que os jogadores sentiram em Fusion ao encontrar com ‘SA-X’ (um clone alienígena da protagonista extremamente mais poderoso que ela). O nome Dread foi citado pela primeira vez numa listagem interna da Nintendo em 2005, e houveram várias tentativas e recomeços em seu desenvolvimento desde então. Contudo, as limitações tecnológicas do Nintendo DS na época impediam que Sakamoto ficasse satisfeito com os protótipos do jogo, que por diversas vezes foi tido como morto por críticos e jornalistas.
Foram quase 20 anos, mas Metroid Dread finalmente está entre nós – criado desta vez para o Nintendo Switch. Faça uma busca rápida pelos melhores metroidvanias na internet e muito provavelmente a maior parte dos jogos na lista vieram depois de 2002: Hollow Knight, Ori, Axiom Verge… Desde então muito aconteceu na indústria, e muitos outros Metroids também foram lançados em formatos diferentes, como Metroid Prime e Metroid: Other M. É impossível dizer quantas tentativas o projeto custou aos desenvolvedores, ou o quanto da visão original de duas décadas atrás ainda permanece no game, mas o fato é que “Dread” foi um desafio que seus criadores resolveram enfrentar até o fim. E agora chegou a sua vez.
METROID 5
Nomeado alternativamente pela própria Nintendo como Metroid 5, Metroid Dread marca o fim do arco iniciado em 1986 no primeiro jogo da série. Sua numeração se dá ao considerar apenas a cronologia dos títulos side-scroller da saga: Metroid (re-lançado como Zero Mission no Game Boy Advance), Metroid II: Return of Samus (re-lançado no 3DS como Samus Returns), Super Metroid e Metroid Fusion. Prime e Other M ficam de fora da contagem oficial e são considerados spin-offs.
Suas histórias, embora possuam certa profundidade em especial fora dos jogos, são bastante simples, o que faz com que Dread não seja um ponto de partida difícil para os menos familiarizados. Há poucos pontos-chave que o jogador precisa conhecer e tudo é bem recapitulado no início da aventura. Ainda assim, fãs da série também terão um prato cheio com referências narrativas, visuais e até sonoras, e com enormes implicações para o futuro da franquia.
Já houveram duas grandes ameaças biológicas que a caçadora de recompensas espacial Samus Aran teve de aniquilar: os Metroid, nos três primeiros títulos, e o Parasita X em Fusion – e ambos acabaram fazendo parte de seu DNA para que ela pudesse sobreviver em suas missões anteriores. Em Dread, uma transmissão misteriosa indica que o Parasita X pode de alguma forma ainda existir num planeta chamado ZDR. A Federação Galáctica enviou robôs extremamente poderosos e resistentes chamados E.M.M.I. para investigar, mas perderam contato com eles pouco tempo após sua aterrissagem. Nossa heroína entra em ação para descobrir o que aconteceu, e garantir que o parasita não seja mais uma ameaça para a galáxia.
IGUAL MAS DIFERENTE
Como já é de praxe na série (e nas sequências de videogames em geral), o jogador recebe um gostinho de poder controlar a poderosa Samus em toda sua glória, pouco antes de ser encurralado por um inimigo mortal e perder todas habilidades. Alguns mistérios, contudo, surgem logo de cara: este inimigo é da raça Chozo, que não só acreditava-se estar extinta, como é a raça de guerreiros que cuidou e treinou Samus enquanto crescia, e que também nunca havia aparecido em carne e osso (?) em nenhum jogo da franquia antes, curiosamente. Além da própria missão que a levou até lá, a caçadora de recompensas agora também tem essas questões a desvendar, incluindo o motivo de seu adversário misterioso tê-la deixado viver.
Daqui em diante a experiência do jogador flui exatamente da mesma forma que os jogos clássicos da série, porém ao mesmo tempo de uma forma completamente diferente – e esse é o ponto mais surpreendente de todo o game: mesmo tantos anos depois, Dread é extremamente fiel à experiência clássica da franquia. Há pouquíssimas novidades adicionadas ao funcionamento do jogo, e mesmo as que estão presentes não alteram substancialmente a fórmula. Ainda assim, tudo é feito com uma melhora e refinamento tão incríveis que o título acaba sendo diferente de tudo que o jogador possa ter encontrado nos Metroids anteriores.
Sejam aparentes ou por trás dos panos, todas essas melhorias trazem ao game uma fluidez ímpar, com movimentação e animações extremamente responsivas, uma ambientação envolvente e um level design que pode ser considerado o melhor da saga – além de sequências de ação que farão o jogador se sentir tão poderoso quanto a própria Samus Aran, mesmo recheadas de desafios à altura. A inteligência artificial e animação dos EMMI realiza completamente a sensação de horror vislumbrada originalmente pelo produtor do jogo.
A MÃE DE TODOS OS METROIDVANIAS
Tal domínio sobre uma fórmula tão clássica mostra o porquê Metroid foi um definidor de gênero. Salvo algumas pequenas exceções – que permeiam principalmente questões de interface e ‘quality of life’ – o jogador nunca se sente jogando algo antigo ou retrô, mas uma experiência completamente atual e cheia de fôlego. A falta de uma opção de tentar novamente após morrer para um boss pode incomodar um pouco, mas é pífia comparada à exuberante experiência de controlar Samus com toda sua, pode-se dizer, aerodinâmica (que se reflete em sua nova armadura) imerso em um mundo rico que sempre vai te conduzir de maneiras assustadoramente intuitivas a seu próximo destino. Você pode até se perder, como é de praxe no gênero, mas a mão invisível do level design sempre acaba te levando exatamente para onde você precisa ir – é algo incrível que só pode ser experimentado jogando. Além disso, diversas áreas do jogo possuem uma certa dinâmica – destruir uma parede numa sala inundada fará o nível da água descer, por exemplo – ao invés de serem sempre as mesmas.
O combate é desafiador e pela grande maioria do tempo consegue manter o equilíbrio entre o poder da protagonista e a ameaça de seus inimigos. Lidar com criaturas comuns requer apenas aprender seus padrões e reagir no tempo certo – o poder de contra-atacar introduzido em Samus Returns está de volta em Dread. Contudo, inimigos mais poderosos e chefões requerem também o uso das mais variadas habilidades adquiridas no caminho, e recompensa grandemente o jogador que acerta contra-ataques certeiros com sequências de tirar o fôlego – tudo em tempo real. É uma pena que esses momentos dependem um pouco demais dessa habilidade, o que pode frustrar jogadores com menos reflexos. Já no caso dos EMMI, você é obrigado a usar todos os recursos do cenário para escapar, pois encostar neles é fatal – há a possibilidade de contra-atacar, mas o próprio jogo diz que suas chances de morrer são de 99%, pois a janela de contra-ataque é completamente aleatória e muito curta. É de se acelerar o coração.
Quanto à narrativa, ela permanece superficial como os títulos anteriores, pelo menos pela metade do jogo, mais ou menos. Em sua relação com o gameplay, o jogador progride junto a protagonista: ela se torna mais forte, o jogador se torna mais corajoso. Tudo te impulsiona a continuar a enfrentar o medo, e os segmentos de história são suficientes para envolver os menos interessados e um prato cheio para os fãs, e tornam Samus uma personagem ainda mais incrível e poderosa, e sua jornada muito mais interessante e envolvente – de uma forma muito superior às iterações anteriores.
O FIM DE UMA LONGA JORNADA
Nem tudo é perfeito, claro. Tal fluidez e responsividade do jogo contrasta fortemente com momentos que exigem precisão milimétrica e o manejo de diversas habilidades. Em alguns momentos o ritmo é quebrado, ou você se vê tentando entender o malabarismo de botões. Não há uma naturalidade muito boa nos comandos e o jogo acaba se dividindo entre os momentos velozes, cheios de adrenalina e os momentos lentos, assombrosos e precisos. Os loadings são curtos, mas a obrigatoriedade em retornar alguns passos atrás pode somar um pouco no tempo de espera – e morrer nas mãos dos EMMI, em especial, pode ser um pouco anticlimático. Faltou um pouco de drama.
Ainda assim, todos esses são problemas são mínimos. Enfrentar o medo de frente e encontrar a sua coragem trás à tona todas as maiores qualidades do game. Seus ambientes e inimigos trazem sensações de descoberta e espanto, curiosidade e emoção. Seu mundo incrivelmente bem construído te instiga a explorar cada canto escondido. E assim como uma verdadeira guerreira, é provável que em boa parte dos combates você se encontre com um sorriso de apreço ao desafio de seu adversário. Tudo isso torna Metroid Dread um jogo envolvente, sedutor e viciante, além de uma conclusão incrível para um arco iniciado nos anos 80 que vai te fazer sair querendo mais. Só resta torcer para que não demore outros 20 anos.
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Formado em Design de Games pela Universidade Anhembi Morumbi e com mais de 5 anos de experiência como Motion Designer e Editor de Vídeo, já palestrou sobre GameDev e leva os joguinhos à sério por mais que sua mãe diga que não dá dinheiro (não dá)