Escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, Licorice Pizza (2021) chegou aos cinemas em 17 de fevereiro de 2022, trazendo mais uma história premiada do ilustre diretor. A premissa do filme é mostrar uma jovem de 25 anos que se apaixona por um ator de sucesso, que tem apenas 15 anos. Com essa ideia de retratar um relacionamento problemático e esquisito, o diretor retorna à temática de outros de seus filmes impecáveis, como Punch-Drunk Love (2002) e Phantom Thread (2017) – seu último longa lançado antes de Licorice Pizza.
Um retorno nostálgico e convidativo
Ambientado no Vale de San Francisco durante os anos 70, PTA retorna ao contexto que, na minha opinião, serve de pano de fundo para seus melhores filmes –Boogie Nights (1997) e Inherent Vice (2015). Em Licorice Pizza, a temática é explorada ao máximo, nos personagens, no figurino, nos cenários e na trilha sonora – que é espetacular. Neste último filme, o diretor reúne muitos dos elementos autorais que consagraram seus outros trabalhos e mostra que, apesar da premissa jovem e descolada, Licorice Pizza tem um lado sério e intimista.
Gary Valentine (Cooper Hoffman) é um adolescente de sucesso que atua e empreende em diferentes serviços e, ao mesmo tempo, acaba se apaixonando por Alana Kane (Alana Haim), mesmo sabendo da disparidade de suas idades. Alana está no outro polo das características de Gary, sendo uma jovem-adulta sem perspectiva de vida, com um humor irritadiço. Existe algo no caráter dos dois – síntese dessa relação dialética – que é a necessidade de uma identidade. Enquanto Gary parece se descobrir constantemente com sua atuação ou com o mundo dos negócios, Alana tem dificuldades em se descobrir nesse período conturbado da vida.
Ambos começam a sair juntos como amigos, misturando a energia e o potencial da juventude de Gary com o estresse e a falta de esperança de Alana – que se torna parceira nos negócios de Gary e vai descobrindo qual caminho trilhar. A partir disso, a narrativa é preenchida com eventos extremamente bizarros e curiosos, cheios de referências à vida real. É interessante, pois ao mesmo tempo que o filme se divide em pequenos momentos de personagens secundários, o universo do filme é centrado nessa relação de Gary e Alana – como se não precisasse existir um mundo exterior aos dois.
Esse estilo narrativo é muito clássico do PTA, e constantemente o roteiro ganha tons similares à literatura. É essa liberdade criativa que possibilita uma dinâmica cheia de acontecimentos diversos e peculiares, e ao mesmo tempo condiciona um mistério pessimista, como se algo estivesse sempre a ponto de dar errado – como uma tragédia que se aproxima. Essa sensação causada é como uma tensão em frente ao otimismo trágico que é clássico dos filmes de Paul Thomas Anderson. Isso é intensificado pelo silêncio, o sol se pondo e a noite chegando, e também, a própria expressão do irmão de Gary, que não precisa de falas para revelar um temor existente na atmosfera.
Esse silêncio e esse aproveitamento visual, em parceria com as excelentes atuações, possibilitam entrarmos no íntimo dos personagens, e entendermos seus medos, receios e reações. É uma linguagem sugestiva que se envolve no visual e na aura misteriosa de Licorice Pizza. Claro, muitas vezes esse silêncio vem como quebra de um ritmo também agitado, com músicas de artistas incríveis dos anos 70, como Paul McCartney, The Doors e David Bowie. Essa dinâmica representa fielmente o espírito volátil e controverso da juventude, assim como a insegurança da vida adulta.
Licorice Pizza retrata o cinema em temática e essência
Pode-se dizer que Licorice Pizza é um retrato muito bem captado, tanto nas cores, nos carros, nas roupas e no visual da cidade, quanto em sua cinematografia, que é esplêndida e com uma forte marca analógica de uma Panavision. Parece que houve um cuidado muito grande com a confecção de suas imagens. É uma experiência única para se assistir no cinema – no melhor estilo Cine Grand Café –, pensando na extensão da imagem em 70mm, que permite captarmos uma riqueza de detalhes, mesmo em planos fechados onde vemos apenas o rosto de algum personagem.
Outro assunto bem recorrente em Licorice Pizza é o próprio cinema. O filme é recheado de referências e personagens desse meio – normalmente sempre levados a um tom mais cômico. É uma experiência recorrente estar gargalhando de alguma cena referente ao universo cinematográfico e logo em seguida entrar num tom mais sério, diante dos conflitos dos personagens. Essa mudança ganha força quando toca o tema do filme, composto por Jonny Greenwood (guitarrista do Radiohead).
Licorice Pizza (2021) é merecidamente um dos melhores filmes de 2021. Com uma seleção de atores muito diversificada – com destaque para a estreia excepcional de Alana Haim –, o longa nos prende até mesmo com as atuações de personagens secundários. O humor e o drama se misturam na reflexão sobre um caso de amor inusitado e perigoso, que caminha entre o frescor da juventude e o impulso irracional. Nem só de alegrias vive o filme, muitas vezes passando por momentos que machucam, além de tensões soturnas e inexplicáveis. Todos esses fatores se desenrolam em localidades e períodos que nos acordam para uma sensação estranha de nostalgia, num clima que misteriosamente parece nos preparar para o desconhecido.
Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.