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Análise: Infinitas Terras (Ou Relatos da Minha Vida em Crise) #MostraSp

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Análise: Infinitas Terras (Ou Relatos da Minha Vida em Crise) #MostraSp

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Essa crítica faz parte da série de análises da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, festival anual que celebra o cinema mundial, trazendo centenas de filmes, entre clássicos e contemporâneos, todo mês de outubro.  Eu, Matheus Maskalenka, apresento essas críticas como uma seleção do que mais me interessou e talvez interesse a vocês quando os filmes forem lançados em cinema ou streaming.

Charles Foster Kane foi um homem que teve tudo o que queria e depois perdeu. Talvez Rosebud fosse algo que não conseguiu ter ou perdeu. Eu não acho que explica nada. Eu não acho que qualquer palavra explica a vida de um homem”

Essa frase, ao final de Cidadão Kane, suscita o quanto é inútil a mania que nós temos de tentar resumir a complexidade da experiência humana em rótulos. Como se fosse possível apontar uma fala, um hábito, um episódio da vida de uma pessoa como a Pedra de Roseta a partir da qual é possível entende-la em sua totalidade. Esse essencialismo nos leva a desprezar o que não corrobora com a definição rápida, o que limita nossa capacidade de entender as características, e principalmente, as contradições que nos definem. Se nos fixamos em tentar nos definir, qualquer desvio dessa definição vai ser uma frustração.

Em Infinitas Terras (Ou Relatos do Meu Tempo em Crise) protagonista Lucas não se encontra no fim da vida, mas enfrenta um futuro incerto. Quadrinista de pouco sucesso na carreira, Lucas tenta seguir a vida sem um rumo, tentando dar um gás na carreira empacada enquanto cada aspecto da sua vida entra em crise. Após o término do namoro, o despejo do apartamento que morava obriga ele a se mudar para a casa da irmã Juliana, que traz à tona diversos conflitos familiares que os irmãos tentaram enterrar, mas que afeta a relação dos dois de formas diferentes até hoje.

Lucas (Bruno Torres) é o típico adulto que não consegue crescer. Nunca se responsabiliza pelos próprios erros, se apoiando nos outros pra tentar resolver problemas empurrados com a barriga.  Ele se acha maduro naquela maneira adolescente de se achar a única pessoa autêntica no mundo, mas não consegue lidar com sentimentos verdadeiros das pessoas ao seu redor sem se encolher. Por várias vezes é refutado pela sobrinha adolescente.

Tudo isso seria um sinal pra que Lucas mudasse de vida, ou ao menos refletir o que deu errado. Mas a verdadeira gota d’água pra ele é o sumiço da sua edição #1 de “Crise nas Infinitas Terras“. A perda desse gibi muda Lucas, que antes reagia passivamente aos eventos na sua vida, a ir atrás dessa relíquia do passado.

Pra qualquer adulto que em um dia acordou com mais problemas do que é capaz de dar conta e nenhum amparo, a jornada de Lucas, narrada com sensibilidade pelo diretor/ roteirista Cauê Brandão é familiar e dolorosa. Os traumas e frustrações guardadas de amigos, planos não realizados e familiares, nesse último caso: uma casa inacabada que foi abandonada após a separação dos pais, que se torna um peso na vida de todos os envolvidos. A mágoa familiar perfeitamente ilustrada em um objeto físico. E o erro de Lucas é achar que a solução está em um também.C

Em uma cena emblemática do filme, Lucas está em uma discussão sobre o conceito de multiverso com a namorada de seu amigo, a adulta, pé no chão, madura. Ela não se impressiona em nada com os dramas e as paixões de Lucas (“Quem tem tempo pra essas ideias? Eu tenho é conta pra pagar”), e ele, por sua vez, não se conforma em não ser levado a sério. Mas por mais que Lucas se ache mais imaginativo que o senso comum e entenda o conceito que cada decisão que você toma abre um universo diferente, ele não é capaz de ver uma solução além de correr atrás de um gibi de infância. É uma petulância tipicamente infantil, de quem vê os entes queridos como encostos, os próprios fracassos como culpa dos outros e a arte não como forma de ampliar a sua visão de mundo, mas de se afundar em si mesmo e se esconder da vida.

Sabemos que, assim como o Rosebud, o gibi não é a solução dos problemas de Lucas. Esse é o tipo de coisa que algumas pessoas passam a vida inteira tentando descobrir sobre si mesmos. Resta a esperança que ele, e nós, não guardemos essas frustrações até o leito de morte.

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