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Crítica | Aftersun

Sophie e Calum deitados no chão ao lado da piscina olhando para o céu.

Cinema

Crítica | Aftersun

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Um dos títulos que me despertou curiosidade pela sua recepção no último Festival de Cannes foi Aftersun (2022), filme de estreia da diretora escocesa Charlotte Wells. Apesar dos elogios da crítica, não sabia muito bem o que esperar, e essa sensação se manteve durante boa parte da minha experiência assistindo o longa, que estreou nos cinemas brasileiros no dia 1º de dezembro. Essa produção, distribuída pela MUBI e O2 Play, relata de forma nostálgica a relação entre Calum (Paul Mescal) e Sophie (Frankie Corio), um pai e uma filha que passam uma temporada de verão em um hotel na Turquia.

O âmago dessa obra de cores quentes chamada Aftersun mora justamente na sinergia entre pai e filha que, mesmo demonstrando de forma natural a beleza de um afeto caloroso, aproveita cenas disruptivas para ilustrar as angústias de ambos. As emoções se revelam de forma sutil, não explícita, e até as negativas permanecem abafadas como o som debaixo d’água.

Aftersun explora a ambiguidade que vive na memória

A linguagem criada pelas imagens é essencialmente sugestiva, até pela temporalidade que deságua ora no passado, ora no futuro – dentro do tempo do filme, as férias mostradas se passam 20 anos no passado. Portanto, existe esse caráter nostálgico, num ato de rememorar que constrói sua estética. Em diversos momentos os registros da viagem, em vídeos de câmera convencional, são mostrados, aproveitando esse aparente objeto de descontração como potencial conector entre passado e futuro.

Em parte, vem desse estilo a sensação de nunca saber o que se esperar em Aftersun. Esse aparente foco da narrativa no passado, que oscila entre um futuro que parece premeditar um desfecho até então misterioso – que ganha indícios nos detalhes, no íntimo. Até mesmo a forma como a câmera caminha em closes fechados, como um olho preso na limitação da própria memória, nos deixa sem maiores conhecimentos externos. 

Sophie deitada sobre Calum, que está sentado com o braço quebrado.

Esse conjunto de fatores permite que o hotel em que ambos passam as férias se mostre como um universo fechado, como uma lembrança bem delimitada. Isso força o espectador a compreender tudo a partir da intimidade dos personagens, que é o ponto alto da atuação, tanto nos momentos de carinho paternal, quanto nas suas divagações isoladas e dotadas de sofrimento e dúvidas, explorando suas individualidades.  

Uma coisa é certa: a água, tanto da piscina quanto do mar, é o elemento do ambiente que estimula a relação de ambos em diferentes frequências. De alguma forma remete ao clássico The Swimming Pool (1969), pela convenção social que se cria envolta d’água, mas sem aquela carga de sensualidade, ainda que seja palco para as indagações da sexualidade de Sophie em certo momento. Também remete ao recente The Lost Daughter (2021) pela temática, mas explorando de uma maneira mais balanceada e assertiva.

Um filme de estreia com elementos autobiográficos

Talvez por ser o primeiro filme de Charlotte Wells, de vez em quando o longa parece tomar certos riscos, experimentando a longevidade de cenas para ver até onde elas funcionam e praticamente sempre são efetivas , causando um estranhamento pelo resultado geral de um primeiro filme que é muito positivo. Impressiona a forma como, em algumas dessas cenas, o silêncio é utilizado para salientar a intimidade da percepção dos personagens, assim como o som da água, que ganha força em momentos mais dramáticos.

A produção sonora é trabalhada de forma magnifica e simbólica, com destaque para as trilhas. A música Tender, do Blur, traduz sonoramente as sensações da história, ganhando até uma mixagem que condiz com seu rumo. Em suma, ela evidencia o afeto entre um pai carinhoso, mas ao mesmo tempo refém de uma liberdade condicionada pela sensação de não-pertencimento, e uma filha doce, em fase de crescimento, que só indaga as lacunas do seu pai muitos anos depois.

Sophie e Calum de costas olhando para o mar.

Vale-se dizer que a sintonia das atuações de Paul Mescal e Frankie Corio consagrou Aftersun (2022) como o melhor filme lançado em 2022 aqui no Brasil. Entre os métodos de autoconhecimento de Calum, como o tai chi chuan e a meditação, vemos Sophie no princípio de suas noções sobre si mesma – a cena em que fazem movimentos juntos é emblemática. A forma como o fluxo de memória se dispersa em imagens analógicas permite uma experiência acolhedora, rica de significado, mesmo em momentos que nos ganham pela sua simplicidade.

Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.

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