Análises
Análise | Dead Island 2 – FLESH Prince of Bel Air
Dilacerar zumbis nunca foi tão bom, mas valeu a pena esperar mais de dez anos por Dead Island 2?
Quase dez anos se passaram desde o anúncio original de Dead Island 2, e finalmente o jogo está entre nós. 12 anos após o título original, muito coisa aconteceu e mudou na indústria dos games, na cultura pop e nas histórias de zumbi. Seria a continuação capaz de fazer valer a espera?
Muito frequentemente ouvimos desenvolvedores falarem sobre o quão difícil é lançar e, especialmente, vender um jogo. A indústria cresce exponencialmente desde os anos 80, estando na vanguarda da tecnologia, inovação e permeando diversos setores da cultura pop. Não é surpreendente quantas gigantes tentam conquistar a sua fatia como a Amazon, Netflix, Microsoft, Sony ou várias outras empresas e investidoras que não necessariamente vieram da criação de jogos, mas decidiram investir nesse mercado.
Ainda assim, várias são as histórias de fracassos por trás de grandes tentativas de sucesso em torno dos games. O público, as tendências e mudanças são difíceis de prever, além de mudarem e evoluírem tão rápido quanto as tecnologias que permeiam a cultura de jogos. Não basta ter dinheiro suficiente pra fazer um “peixe realista de mundo aberto multiplayer online” extremamente ousado e inovador. É preciso saber vender o peixe. Ou dar sorte de vender o peixe na hora certa.
Dead Island é uma dessas tempestades perfeitas. Lançado em 2011 quando seus dois maiores destaques estavam em alta: zumbis e jogos de mundo aberto. Pós jogos como Left 4 Dead 2 (2009), Red Dead Redemption, Dead Rising 2 e a série de TV The Walking Dead (2010) – sem contar que um de seus grandes concorrentes, Resident Evil, não vivia seu melhor momento.
Mas não só um timing vantajoso deu ao game a chance de entrar na mente dos jogadores. É impossível falar sobre Dead Island sem mencionar seu trailer de anúncio. Desenvolvido pela Axis Studios por encomenda da publisher do game, Deep Silver, a meta era de que o trailer alcançasse ao menos 100.000 views. Atualmente, só no canal do Youtube do IGN o trailer possui mais de 17 milhões de visualizações. É quase impossível encontrar alguma discussão sobre “os melhores trailers de jogos” que não cite o trabalho da Axis.
Mesmo sem mostrar nada do gameplay, o vídeo tornou-se viral a ponto de fazer a Techland, desenvolvedora do jogo, realizar ajustes e acrescentar conteúdos no game com base no trailer, que chegou até a ganhar prêmio de ouro no Festival de Publicidade de Cannes. Pouco tempo depois, Dead Island venderia mais de 5 milhões de unidades em cinco meses após seu lançamento, mesmo não sendo considerado mais do que um título mediano pela crítica.
Tal sucesso foi suficiente para que uma continuação fosse anunciada em 2014 num novo trailer criado pela Axis Studios, com lançamento previsto para 2015. Dessa vez, contudo, o jogo estava nas mãos da Yager Development, desenvolvedora de Spec Ops: The Line. Diferenças criativas, e não ter os direitos sobre a propriedade intelectual fez com que a Techland a seguisse em frente com seu próprio título, Dying Light – com foco na movimentação veloz e um tom mais sério.
Mas o raio não cairia duas vezes no mesmo lugar. Em 2016, seria anunciado que o desenvolvimento de Dead Island 2 passaria para as mãos da Sumo Digital (Little Big Planet 3, Sackboy: A Big Adventure). Já em 2019, para a Dambuster Studios (Homefront: Revolution), que recomeçaria quase tudo do zero.
Do primeiro Dead Island a 2023 muito viria a mudar na indústria e seu “zeitgeist”, inclusive nos jogos e universos com temática zumbi. O público já teria passado por The Last of Us 1 e 2, novas propostas como State of Decay 1 e 2 e DayZ, a série de TV inteira de The Walking Dead (que já mais do que se desgastara), Resident Evil voltaria a ser ovacionado, e a própria Techland já haveria lançado Dying Light 2, mesmo também sofrendo com muitos adiamentos. Até mesmo o trailer original de Dead Island 2 fora parodiado por Goat Simulator 3.
Nesses quase quatro anos em que passou a tocar o projeto, o maior desafio da Dambuster, que optou por manter apenas a localização da ideia original do game, seria não só produzir e lançar, mas decidir o que é Dead Island, e como se destacar mais uma vez fazendo jus ao nome da franquia da Deep Silver. Seria possível responder a uma espera de quase dez anos?
Dead Island 2 já começa sendo direto e sem explicar o óbvio: seis pessoas conseguem entrar num avião trapaceando de formas diferentes na tentativa de fugir da infestação zumbi em Los Angeles (ou HELL.A. como chamam no game). Contudo, há um infectado a bordo, e o voo agora segue em queda livre. O jogador precisa escolher um desses seis passageiros como seu personagem – cada um com qualidades e defeitos diferentes como velocidade, dano e resistência – e não é possível mudar de ideia sem reiniciar a jornada. A escolha é definitiva e você só pode torcer para que ela te satisfaça.
Numa sequência de eventos entre os que sobreviveram à queda, uma atriz famosa te convida para se abrigar na mansão dela. Antes de ir, contudo, o protagonista é mordido por um zumbi – e acaba por descobrir, então, que é imune ao vírus.
Na contra-mão das histórias mais sérias de hoje em dia, você decide, ao invés de guardar segredo, procurar as autoridades para dizer que é imune, na esperança de que alguém venha resgatar você e seus novos amigos. E nessa premissa você começa sua aventura por Bel Air, Beverly Hills e vários locais da cidade dos anjos, conhecendo diversos figurões caricatos que você imaginaria encontrar nesse plano de fundo apocalíptico luxuoso – atrizes, músicos, youtubers e halterofilistas, para citar alguns.
A premissa é como a de um filme B, o que trabalha muito em favor do game. Tiradas mais ácidas, não ligar pra seriedade, usar de ironia, paródias e humor trazem um ar mais divertido. Infelizmente não só o game não mantém essa atitude o tempo inteiro, querendo se levar mais à sério em alguns momentos mais adiante da narrativa, como grande parte do humor não funciona de forma muito global – é um pouco estadunidense demais, excluindo boa parte do público de muitas referências, além de muitas vezes ser apenas cafona. Dificilmente você chegará a rir do texto em si. E algumas músicas são… Bem, são definitivamente músicas.
Outra proposta, que era uma das principais do Dead Island original, é o visual realista. E embora esse ponto seja muito mais complexo e subjetivo atualmente, os visuais de Dead Island 2 não decepcionam. Logo de cara, nos destroços do avião caído, as partículas de brasas no fogo impressionam, e esse capricho com detalhes aparece em diversos outros momentos. Não é perfeito nem revolucionário, mas é bem feito – apesar de alguns problemas.
Na versão de PS5, pelo menos, a ausência de reflexos em tempo real causa bastante estranheza e, com exceção de alguns momentos em que o jogo quer ser assustador, os momentos noturnos/escuros perdem muito – Los Angeles merece o sol. Ainda assim, um dos grandes trunfos visuais de Dead Island 2 é um dos principais componentes que regem toda a orquestra ao redor, o sistema “FLESH”.
Uma sigla para “Fully Locational Evisceration System for Humanoids”, o sistema FLESH que a Dambuster desenvolveu para Dead Island 2 é um sistema procedural (dinâmico, feito por código) presente em todos os inimigos do game, e que torna a evisceração de zumbis ainda mais divertida e mais “filme B” durante horas e horas de jogo. Roupas, pele, ossos e órgãos, cada golpe em diferentes partes do corpo causa efeitos realistas. Uma pancada no rosto e você verá o maxilar deslocado, corte o estômago e veja as tripas de seu inimigo pularem para fora, atire em sua perna e você verá a fratura exposta enquanto ele rasteja.
Pode soar gráfico demais, mas o tom mais ácido e leve do game tornam isso tudo mais engraçado do que nojento – como em Mortal Kombat, por exemplo. E sendo um sistema tão completo e caprichado, o design de outros sistemas do jogo trabalham em função dele, como o combate e os elementos das armas e cenários, como fogo e eletricidade que fritam seus inimigos, ácido que derrete a carne deles.
Isso funciona muito em sintonia com a proposta original de combate corpo a corpo de Dead Island. Diferentes da grande maioria dos jogos do gênero, você demora um bom tempo até conseguir sua primeira arma de fogo – quase metade do jogo, dependendo do ritmo que avançar nas missões principais. Como um sobrevivente, você usa diversos objetos para se defender, desde pedaços de pau, canos e tacos de golfe até facas e cutelos, te colocando cara a cara com os zumbis enquanto você os despedaça (de fato, o jogo até perde um pouquinho do seu apelo quando você consegue as armas de fogo).
Sobre seu arsenal de sobrevivente, o jogo possui uma variedade razoável de armas e itens que podem ser melhorados de diversas formas, o que também as transforma visualmente de maneira criativa. As armas corpo a corpo se desgastam, mas não quebram. Quando sua durabilidade é zerada, basta consertá-las numa bancada. Já as armas de fogo não carregam uma quantidade muito grande de munição para não desequilibrar a experiência (não há escassez de recursos, só do quanto você pode levar com você).
Há também várias cartas de habilidade que vão sendo desbloqueadas conforme você sobe de nível e completa missões que deixam a jogabilidade mais a seu gosto. Por mais que a escolha do personagem no início seja definitiva (provavelmente para incentivar diversas partidas com personagens diferentes), você pode equilibrar as coisas equipando as cartas que preferir – apesar de algumas delas só funcionarem para personagens específicos.
Esquivar ou bloquear ataques na hora certa te permite executar golpes poderosos em seus inimigos, e seus ataques corpo a corpo também podem ser carregados para dar mais dano – esses porém gastam a sua estamina, e podem te deixar em apuros. Pintar o cenário de sangue e restos mortais é, de longe, o grande destaque da experiência.
Por sorte, Dead Island nunca foi muito reverenciado ou aclamado pela crítica e pelo público. Logo, os dez anos de espera desde o anúncio de sua sequência podem, na verdade, acabar funcionando a seu favor, abaixando as expectativas ao invés de aumentar o hype. Aqueles que esperavam um fracasso serão positivamente surpresos.
Se você estiver colocando na balança, contudo, deve ter notado que Dead Island 2 sofre um pouco por faltas, ao invés de excessos, em especial na sua segunda metade. Faltou confiança no humor e na irreverência, faltam mais opções e variedades de armas. É uma experiência plenamente satisfatória, seja jogando sozinho ou em co-op, mas que parece mais uma estreia de uma franquia nova do que uma continuação. De qualquer forma, a Dambuster foi capaz de criar raízes muito interessantes para que Dead Island possa seguir em frente com uma identidade própria. Se a Deep Silver mergulhar ainda mais na insanidade, na comédia e na carnificina cheia de variedade, aprendendo com os erros, a diversão é garantida.
Formado em Design de Games pela Universidade Anhembi Morumbi e com mais de 5 anos de experiência como Motion Designer e Editor de Vídeo, já palestrou sobre GameDev e leva os joguinhos à sério por mais que sua mãe diga que não dá dinheiro (não dá)