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Crítica | Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time

Cinema

Crítica | Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time

Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time conclui a saga Rebuild of Evangelion de forma positiva e humana.

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Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time (2021) finalmente chega na Amazon Prime para fechar de vez a quadrilogia Rebuild of Evangelion, o reboot do anime Neon Genesis Evangelion (1995). Após 6 anos de adiamentos, o diretor Hideaki Anno ressurge, para um final que eu diria ser o grande balanço entre todo universo do anime. Para entender esta última peça em seus 155 minutos de duração, é preciso começar de onde o último filme parou.


14 anos após o – quase – terceiro impacto, Shinji, Asuka e Ayanami retornam à vila na qual ainda vivem seus conhecidos, e se preparam para o embate final entre WILLE e NERV, que irá decidir a possibilidade de um quarto impacto, e consequentemente, a consumação do projeto de instrumentalidade humana. Por isso, é interessante dividir o filme em duas partes distintas, sendo a primeira parte uma verdadeira busca de sentido – necessária para uma interpretação no âmbito da existência – enquanto a segunda parte é o caminho para o desfecho, abrangendo maiores relações com a franquia como um todo.

O princípio e a vontade de viver

Neste primeiro ato, o que vemos são os diversos ambientes inóspitos do Japão, que acarretam significados para Shinji e Ayanami Rei. É a simplicidade que toma conta, e não as batalhas catastróficas e explosivas. O cheiro da terra, a comida saborosa, as paisagens rurais, e a simples noção de viver são fundamentais para contornar o estado de Shinji – deprimido e imóvel, como de praxe; mas também mostram para Rei o que é ser demasiadamente humano, como emoções, sensações e atos meramente simbólicos são fundamentais para que a vida tenha sentido entre as pessoas.

Ayanami ganha destaque na primeira parte de Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time.
Ayanami ganha destaque na primeira parte de Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time

Sempre válido se atentar para o caráter schopenhauriano de Shinji, que não vê nada além do sofrimento em sua volta, e se isola naquilo que é meramente possível em sua inércia: a música. Shinji nega a vida, e o anime – junto de Rei – tenta redescobrir os pequenos prazeres fundamentais de se estar vivo – como a vida em comunidade na vila, que retoma saudosos personagens do anime, explorando a memória, os quais revelam que existe um esforço para continuar, na mesma medida em que existe vontade de se viver. É a pura simplicidade e a união que constroem significado para Shinji, Rei e o mundo após o quase terceiro impacto. 

A pequena vila na qual residem os sobreviventes do quase terceiro impacto.

É cativante como a qualidade da animação é aproveitada nesse primeiro momento, redefinindo a beleza em espaços vazios, deteriorados, sem um significado explícito. É como se o anime nos convidasse a ver o valor da vida com os olhos da arte, em contraste com Shinji, que no filme antecessor via esse valor ao tocar piano com Kaworu, mas agora precisa encontrar outro meio. A demora do filme se justifica em sua excelência estética e imersiva. Até as músicas que ficam no fundo da trama apresentam melodias marcantes que se misturam perfeitamente no vazio da ambientação.

Os desdobramentos de Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time

No segundo ato do anime é quando chegamos às vias de fato. É quando vemos todo legado de Evangelion se renovar mais uma vez. O pessimismo – superado – de Shinji vai de embate ao idealismo da NERV. Agora, Shinji está ao lado de WILLE – a palavra ‘wille‘, em alemão, significa ‘vontade’. Essa definição exemplifica a esperança de uma vida melhor, que os personagens potencializam através de suas intenções. Parece que, mais uma vez, Evangelion: 3.0+1.0 vem nos relembrar que seu charme não está somente nos robôs biotecnológicos, mas no ente que não esqueceu o ser em detrimento da técnica. Neste caso os personagens, que se indagam sobre o sentido da vida após o quase terceiro impacto, mesmo se arriscando em tecnologias promissoras como os EVAs.

Os demais segredos e acontecimentos marcantes não irão ser descritos aqui, não somente para evitar spoilers, mas também porque são muitas surpresas que precisam ser analisadas com uma delicadeza específica. Em relação as tecnologias, são muitas novidades, tanto dos novos EVAs quanto aos demais recursos utilizados em batalhas. O filme começa nos dando um teaser disso – em Paris –, mas guarda o ápice para o final, e faz um uso elevado dos recursos tridimensionais entre as lutas.

Mari tem um papel fundamental nesta despedida de Rebuild of Evangelion.

É válido ressaltar que muitas especulações dos fãs do anime ganham força aqui. A física quântica, que desde o primeiro anime induz a possibilidade de uma ‘Rei Quantum’, se mostra presente; além de questões em relação a Asuka e suas “novas” habilidades, embora sua personalidade chata e arrogante não tenha mudado tanto. Questões envolvendo personagens novos como Mari Makinami também ganham relevância, resultando numa participação maior.

“A realidade e o imaginário se unem, e tudo se transforma em informação homogênea.”

Outro ponto importante é que enfim Evangelion: 3.0+1.0 trouxe uma distinção clara sobre corpo e mente, nos apresentando outras possibilidades para a trama. A questão é que o anime soube contornar as confusões psicanalíticas que ganharam forma abstrata nos dois últimos episódios do anime original. Não que fosse um problema esses episódios, mas no filme essa distinção se torna parte de um objetivo maior em relação a Gendo Ikari. Essa análise que o filme faz, na verdade, esclarece as ambições de diversos personagens – vai além do próprio Shinji, e isso acarreta em perspectivas exclusivas que nos ajudam a montar esse quebra-cabeça gigante – e não é sempre que Evangelion opta pela nitidez de suas informações.

Claro, assim como The End of Evangelion (1997), o filme traz a odisseia transcendental clássica de Hideaki Anno, num nível tão marcante quanto, mas de forma meramente complementar, visto que o objetivo parece outro, conforme indica a primeira parte – a pura simplicidade. Todas batalhas, explosões, impactos, formam apenas a superfície do que é Evangelion, como um nível macro – os EVAs, os anjos, os deuses – que ocultam o micro – o ser, o humano e a existência.

Parece que este desfecho de Evangelion traz aquilo que há de melhor nos episódios 25-26 do anime original, mas também da grandiosidade – em sentido de qualidade e de narrativa – de The End of Evangelion (1997). No fim, é criado um caminho alternativo, original, assim como todos os filmes dessa saga traçam rotas alternativas. Neon Genesis Evangelion é, antes de tudo, um novo começo, e essa “reencarnação” não parece ter sua resolução no reconhecimento pelo outro, ou na afirmação da individualidade contra uma instrumentalização coletiva, o que resolve Evangelion: 3.0+1.0 é o amor pela vida, pelo que se conhece através dela, e as imagens do que conhecemos. Uma vez que Shinji supera o sofrimento, seu caminho não é mais o isolamento, mas o amor pelo outro, de uma forma diferente da qual tínhamos visto anteriormente na franquia.

Por fim, Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time (2021) reestrutura de forma positiva a saga, sendo uma opção à este ciclo de eternos recomeços, mas desta vez, existe uma recusa contra os deuses, que não é apenas pela consumação de um projeto idealista, mas sim pela afirmação da vida humana como ela é, mesmo com todo seu sofrimento – amor fati.

Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.

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