Crítica | I’m Thinking Of Ending Things – As Formas da Ideia
I’m Thinking Of Ending Things ou Estou Pensando em Acabar com Tudo é o novo filme de Charlie Kaufman, diretor e roteirista famoso por transformar seus trabalhos em complexas análises sobre a consciência. Responsável por roteirizar Being John Malkovich (1999) e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), seu novo trabalho é baseado no livro de Iain Reid lançado em 2016.
Disponibilizada no dia 4 de setembro, essa nova produção Netflix já repercute pelo confuso rumo de sua história e pela quantidade de referências citadas em suas falas enigmáticas — que conversam diretamente com a trama. Numa estética clássica e cult, somos levados à uma história mais profunda que seu estereótipo norte-americano sugere, carregada em diálogos filosóficos e cenas surrealistas. Nessa análise explicarei sem spoilers minha interpretação geral da obra.
Inicialmente a trama tem uma premissa simples. Sua narrativa aborda uma personagem chamada Lucy (Jessie Buckley) que está viajando para a casa dos pais de Jake (Jesse Plemons), seu namorado. Ambos estudam física e embarcam nessa viagem discorrendo sobre diversos assuntos complicados, através de suas peculiares formas de diálogo. Jake é um cara quieto e regrado, e namora há 6 semanas Lucy, uma mulher descontraída e profundamente artista. Ao conhecer à antiga casa de Jake e seus pais, vamos nos deparando com as estranhezas do filme. Nesse jantar demoramos para perceber a representação do local como um dos simbolos mais profundos do passado de Jake, assim como a alusão ao destino inevitável da vida — seu fim.
Em certo momento nos damos conta da construção dos personagens convergindo para uma coisa só, algo que vem de uma única consciência. Esse aspecto ronda muito o conceito Freudiano de ambivalência, a noção de que duas ou mais vontades opostas podem coexistir numa pessoa só. Assim o filme trabalha com ideias contraditórias entre os personagens, deixando a resolução para o telespectador e escondendo um problema que se agrava numa outra camada do filme.

Logo no inicio de I’m Thinking Of Ending Things temos um monólogo de Lucy sobre a imaginação, que nos prepara para as metáforas que as falas representam. E durante a viagem fica claro o quanto o filme quer explorar o mundo das ideias. Numa forma simplificada: o filme tenta ilustrar o movimento que ocorre quando abandonamos um profundo pensamento e voltamos ao amago frio da realidade. Ele faz isso o tempo todo em seu roteiro, conflitando seus personagens com suas respectivas reflexões, em momentos de conforto e de dor. Esses são bem representados com suas trilhas melancólicas.
O contar da história toma pra si os rumos mais variados de uma ideia, mas isto preso ao estilo de filme norte-americano clássico — que se reconhece como um produto cultural na sua metalinguagem. O que é irônico, pois presenciamos críticas à própria indústria cinematográfica, e I’m Thinking Of Ending Things se prende numa roupagem bem comum, talvez assumindo a prisão de uma falsa liberdade — ou simplesmente tomando pra si a imagem mais popular de uma produção Netflix.
O universo do filme se divide em debater tanto sua visão da física como da metafísica. No geral, ele apresenta diversas referências literárias e filosóficas como Leo Tolstoy, Oscar Wilde e Guy Debord, traçando suas explicações para o pensamento e o comportamento do ser humano. Assim como aborda noções de física, colaborando na criação de uma ficção cientifica da mente. Esse elemento é o que permite o filme se construir de uma forma específica, tomando a mais verdadeira forma de uma viagem, se desconstruindo e reconstruindo indefinidamente, reavaliando as certezas e incertezas de uma realidade dolorosa e ao mesmo tempo confortável, que converge ao lado de um mundo metafísico, de infinitas possibilidades.
As críticas que I’m Thinking Of Ending Things traça podem ser vistas perante à arte num geral, mostrando como uma ideia toma formas, mas como ela é dependente da visão material do mundo exterior à ela. Num diálogo no carro, Jake desabafa que as “novas ideias são criadas pelos jovens”, tomando para si o tempo como determinante da condição humana e o que perdurá dela — suas criações. A questão da temporalidade é uma reflexão constante no filme, dando tons sombrios que espelham a solidão, a morte, as memórias e suas criações. Figurando esses problemas quase que num terror psicológico, vemos o desespero de uma mente solitária que encontra conforto e espetáculo no ato de imaginar.
Em suma, I’m Thinking Of Ending Things é um filme que se permite ser um pouco de tudo. Numa perspectiva simbólica, ele procura representar conceitos, tipo Dogville (2003) e The Enemy (2011). Também se reveste em um clichê norte-americanizado, assim como esconde pensamentos profundos sobre a existência, o tempo e as ideias. Ele é o debate sobre o velho e o novo, sobre a ciência e a arte. I’m Thinking Of Ending Things permite que o telespectador crie a metátese em cima das teses e antíteses que se enfrentam e ecoam em falas marcantes e momentos subjetivos. O único aspecto que não se altera aqui é a morte, definido de forma clara desde o inicio, colocando sua metafísica em sincronia com a realidade. Sugerindo que sua única certeza é a condição temporal, como a vida, o filme também tem o seu fim.
Crítica | I’m Thinking Of Ending Things – As Formas da Ideia
I’m Thinking Of Ending Things
I’m Thinking Of Ending Things é um delírio esteticamente comportado, mas que explora as profundezas do consciente na metalinguagem de um casal. Também retrata em seus diálogos as mais diversas áreas do pensamento humano, atravessando a linha tênue entre realidade e metafísica.