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Crítica | Retratos Fantasmas

Cinema

Crítica | Retratos Fantasmas

Refletindo sobre imagens, Kleber Mendonça Filho lança um olhar pessoal sobre os retratos fantasmas dos antigos cinemas do Recife.

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Retratos Fantasmas (2023) é um filme que tu assistes no cinema e que te dá vontade de ir ao cinema. Obra do diretor e roteirista brasileiro Kleber Mendonça Filho, autor de O Som ao Redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), esse título estreou no Festival de Cannes de 2023 e é um documentário ensaístico que aborda os antigos cinemas de rua do centro do Recife. Já fazia um tempo que eu queria ver Kleber, o documentarista, construtor do mosaico de recortes em Crítico (2008) e que nas últimas semanas teve a estreia de seu novo filme em todo o Brasil. 

Recomendo assistir Retratos Fantasmas em uma cinemateca querida, e foi o que eu fiz: assisti na Cinemateca Paulo Amorim de Porto Alegre – RS – tão citada nas minhas críticas. Na sessão de sábado (26/08) à noite, estava bem cheia, mas também tomada pelo silêncio da atenção. As imagens de arquivo selecionadas, juntamente com as gravações do próprio diretor, e as trilhas que vão desde Tom Zé até Sidney Magal, nos mergulham em sua primeira parte, biográfica e quase uma autópsia dos filmes já lançados pelo diretor – exceto Bacurau (2019). Um ensaio pessoal que revela as características íntimas de seu repertório e de seu autorismo. 

Uma perspectiva particular que alcança um imaginário amplo 

É possível identificar uma certa aura atribuída às imagens, algo que reforça o teor fantasma desses retratos, e que não tem nada de sublime, é apenas a passagem do tempo e o vazio da ausência, incapaz de esvaziar a presença. Isso se intensifica na segunda parte, que trata justamente dos cinemas de rua do centro do Recife. Há informações panorâmicas sobre a história desses cinemas, a frequência do público, os filmes exibidos e no que eles se transformaram, mas que não tentam ser apenas história, devido aos comentários de Kleber, que definem sua visão – às vezes até com bom humor. 

“O centro de uma cidade pode lembrar o centro de várias cidades.” 

O grande ponto comum é a ressonância da vida de um centro de uma cidade, que pode ser atribuída a tantas outras cidades no Brasil. Eu não cheguei a presenciar o tempo de ouro dos cinemas de rua de Porto Alegre – me refiro a esta porque minha cidade, Viamão, teve seu único cinema fechado em 2018, o Cine Santa Isabel. Mas acompanhei muitas histórias por parte da minha família, meu pai contando que o Cinema Cacique tinha o melhor som estéreo de todos e minha mãe lembrando que ele costumava levar ela lá, assim como meu tio falando sobre a vez que não aguentou uma sessão de Salò ou os 120 Dias de Sodoma (1975) na Cinemateca Capitólio. 

Retratos Fantasmas é uma visão pessoal, fragmentada e reminiscente 

Claro que nossas histórias pessoais também fazem parte dessa ressonância, ela é alimentada pela própria reminiscência do filme de Kleber. É triste viver em uma cidade sem cinema – além do mencionado anteriormente, Viamão só teve outra sala, mas bem antigamente, o Cine Ideal. Mas é bom viver ao lado de Porto Alegre, onde temos o Capitólio, Paulo Amorim, Cinebancários, mas onde também testemunhamos o desaparecimento desses lugares – mais recentemente, o Cine Grand Café, substituto do antigo Guion, que acabou como um sopro. O registro, ou os retratos que passam em 90 minutos de filme, é como a lembrança e o carinho que temos por amigos. 

Se, por um lado, o filme busca a recordação de espaços transformados pelo tempo, por outro, ele traça uma visão mais conclusiva na terceira parte. O que virou tudo isso? Admito que aqui, tive receio ao ler “Parte 3 – Igrejas e o Espírito Santo”, mas é compreensível o que Kleber tenta fazer, e não acho que possa ser chamado de uma crítica totalmente explícita à transformação desses espaços. Existe essa nostalgia do diretor que mostra, mas limita seus pontos à sua experiência pessoal, não forçando uma crítica mais ampla da coisa. Mas é evidente que as igrejas que tomaram conta desses lugares revelam uma adoração que foi muito maior do que aquela que existia pelo cinema – sintomas da sociedade. 

Levando em conta o tipo de narração de Kleber Mendonça Filho, como alguém que folheia um álbum de fotos, me questionei bastante sobre a conclusão do longa. É aqui que o diretor resguarda um pouco do seu bom humor e um pouco do seu cinema, trazendo uma cena mais contemporânea que desconstrói aquele retrato do Recife que Kleber retratou em seu longa – seriam as farmácias as novas igrejas? Talvez eu esteja louco, mas aquele passeio de carro sob as luzes noturnas do Recife, ao som de Herb Alpert, evoca a cena da perseguição em The Long Goodbye (1973). Mas talvez eu esteja louco.

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