Análise | Road 96: Mile 0 – Quando mundos colidem

Road 96 é um jogo de aventura onde um país, Petria, é comandado com mão de ferro por um ditador que – como qualquer outro ditador – quer se perpetuar no poder e destruir qualquer oposição, custe o que custar. Nele, acompanhamos a história de vários jovens tentando fugir dessa nação opressiva e violenta, onde qualquer vacilo pode significar a morte. Road 96: Mile 0 é uma prequela do primeiro jogo, contando o início da jornada de Zoe e Kaito, dois adolescentes com origens e crenças opostas.

História e ambientação

Road 96: Mile 0 se passa em White Sands, a única comunidade de luxo de Petria e ocorre pouco antes das viagens que mudam vidas na Road 96. Logo no início somos apresentados à Kaito e Zoe, amigos inseparáveis apesar da enorme diferença entre eles. Zoe é a rica filha do ministro do Petróleo. Kaito é filho de trabalhadores e vive no distrito mais pobre de Petria. Enquanto o pai de Zoe ajuda a comandar a nação, os pais de Kaito tentam sobreviver de migalhas debaixo de humilhação e dor. Essa dualidade é bem colocada e impacta diretamente as opiniões e visão de mundo de ambos os personagens – e são justamente essas diferenças que são exploradas no decorrer da trama.

Petria é um lugar hostil. A simbologia exagerada deixa clara a intenção aqui: retratar uma distopia que é ao mesmo tempo distante e incrivelmente semelhante aos nossos dias atuais. Para a construção do governo ditatorial desta história foram utilizados elementos de diversas ideologias, nacionalidades e épocas. O “presidente” Tyrak lembra muito um certo presidente de uma certa nação que não sabe perder eleições e gosta de construir muros para conter pessoas. Teorias conspiratórias, grupos rebeldes, mentiras, repressão violenta, vigilância extrema, doutrinação, manipulação das massas pela mídia… está tudo aqui. Estamos vendo uma versão Orwelliana de Life is Strange – é como se Max e Chloe de repente estivessem vivendo dentro de 1984.

Ao longo do jogo, enquanto um dos personagens é pressionado por situações extremas, o outro é confrontado e vê desmoronar tudo o que considerava como verdade. Passado, presente e futuro se entrelaçam para criar uma narrativa não de origem, mas de desconstrução dos protagonistas. É possível jogar Mile 0 sem ter jogado Road 96, mas fazendo isto o jogador perderá muitas referências importantíssimas para o pleno entendimento da história.

Jogabilidade

Road 96: Mile 0 é um adventure narrativo com componente musical, que alterna gráficos 3D com visão em primeira e terceira pessoa e alguns momentos de 2.5D. A jogabilidade é semelhante a jogos como Life is Strange e The Walking Dead, com momentos de tensão onde é necessário fazer escolhas difíceis que ditarão os rumos da história. Temos alguns puzzles bem simples, opções de diálogo e, entre uma fase e outra, seções de corridas com elementos musicais.

Ao contrário do que poderia parecer, essas seções musicais não são meras transições de capítulos, mas sim um panorama dos conflitos internos dos personagens e uma ótima quebra no ritmo (trocadilho não intencional). Esses percursos permitem não apenas precisão rítmica mas também decisões que narrativas e atalhos secretos. Nestas seções, ainda existe a opção de pular uma um trecho caso tenha morrido muitas vezes nele – não se tem a intenção de barrar nenhum perfil de jogador, mas sim de impulsioná-lo para frente na hstória.

Os controles são bem simples, com opções aparecendo na tela, bastando o jogador selecionar o que quer responder ou qual ação executar naquele momento. Um dos pontos negativos aqui é que temos terríveis QTE – Quick Time Events. Em vários momentos temos que executar comandos que aparecem do nada na tela, como se estivéssemos num jogo de PS2. Felizmente isto não é tão frequente, mas chega a incomodar.

Outro ponto que me chamou a atenção é que os controles parecem ter sido feitos pensando em um mouse. Não navegamos por botões, movemos um cursor até a opção desejada na tela e então executamos a ação. Isto não é muito eficiente usando um controle, poderia ter sido aplicada uma melhoria nesse aspecto.

Um indicador do jogo é uma espécie de “medidor de crença”, um mostrador que sinaliza para qual lado o personagem está pendendo. Ele é influenciado pelas decisões de diálogo e atitudes (tanto nas fases normais quanto nas musicais). É interessante ir testando até onde se consegue modificar os rumos da história e as características dos personagens, apesar que o destino de pelo menos um deles já ser conhecido desde o início do jogo anterior.

Trilha Sonora

Aqui é onde o jogo mais brilhou pra mim. Assim como Road 96, Mile 0 traz bandas renomadas de retrowave para compor sua trilha sonora. A diferença é que Mile 0 destaca isso ainda mais por causa das fases musicais, onde o jogador está totalmente focado no que está tocando e nos movimentos ritmados dos personagens. Admito que, tendo terminado recentemente Hi-Fi Rush, senti saudades de jogos focados em músicas. Este não é um jogo de ritmo, mas a influência da música na própria fase é muito forte e satisfatória.

Conclusão

Road 96: Mile 0 é uma jornada de desconstrução, situações inesperadas, pressões e percursos rítmicos psicodélicos para resolver conflitos internos e tomar decisões importantes que virão a definir os rumos da vida dos dois personagens principais, tudo acompanhado de uma belíssima trilha sonora. Recomendo para quem gosta de jogos de aventura narrativa, que não tem problema com baixo nível de dificuldade, gostam de jogos rítmicos e que tem tolerância a Quick Time Events.

Road 96: Mile 0, desenvolvido pela DigixArt studio e publicado pela Ravenscourt, estará disponível digitalmente em 04/04/2023 para PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series X|S, PC e Switch. Jogamos em um Playstation 5 com um código gentilmente cedido para esta análise.