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Crítica | A Noite

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Crítica | A Noite

Obra conceituada do cinema italiano, A Noite (1961) chega na MUBI no especial Os Vivos e os Mortos: Filmes de Michelangelo Antonioni.

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Recentemente, chegou ao catálogo da MUBI o longa-metragem A Noite (1961), do diretor italiano Michelangelo Antonioni. Eu considero esta a melhor obra do diretor em preto e branco junto com Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966), sendo a mais completa da sua trilogia da incomunicabilidade. Em suma, o título vencedor do Urso de Ouro retrata a crise de um casal, Giovanni Pontano (Marcello Mastroianni) e Lídia (Jeanne Moreau), durante o período de uma noite. A sua chegada na MUBI irá acompanhar outros títulos do diretor no especial Os Vivos e os Mortos: Filmes de Michelangelo Antonioni.

Em relação aos outros longas da sua trilogia, A Aventura (1960) e O Eclipse (1962), sempre tive uma preferência por A Noite (1961), pelos assuntos abordados nos seus diálogos, que parecem ir além ao explorar temas recorrentes nestes filmes, como o vazio, e também pela forma que a construção da imagem por Antonioni conversa com as emoções intrínsecas aos personagens. Essa crise experienciada pelo casal ganha forma nos tons sombrios e nos ângulos de câmera estilizados, forçando a nossa percepção em um grau altamente artístico para criar um entendimento da obra. 

A contemplação agrega sentido ao vazio em A Noite

A temática é algo que se destaca bastante, na minha visão, tendo Giovanni como um escritor que acabou de lançar um livro no mesmo dia em que visita um amigo em estado terminal. É interessante quando filmes abordam a natureza da escrita, pois em sua essência, relacionam-se de forma distinta com esse mundo, seja pelos roteiros ou pelas adaptações, mas também pelo teor criativo da coisa. Nesse caso, a tentativa de entender a cabeça do escritor se mantém num enigma, muito pela distração de Giovanni em relação à saúde do seu amigo ou ao momento do seu casamento o escritor nunca comenta sobre seu livro.

“A vida é aquela que nós criamos com as nossas obras”.

Um ponto curioso é quando um magnata amigo de Giovanni, Gherardini (Vincenzo Corbella), oferece-lhe um emprego de diretor de comunicação em sua empresa, revelando essa subserviência que uma habilidade criativa e intelectual tende a ter em uma lógica industrial de mercado, perdendo sua autonomia eu mesmo tenho formação em jornalismo pelo interesse na escrita, mas trabalho com marketing. Ainda assim, a atenção de Giovanni está sempre além do seu papel na escrita, perdendo-se do encontro da sua esposa e reencontrando o frescor na jovem e bela Valentina Gherardini (Monica Vitti).

O que me chama atenção nesse filme da trilogia é que ele opera não só com a supressão da comunicação entre o casal, mas sim com uma comunicação desencontrada. Giovanni demonstra certas preocupações e apresenta confissões que não vão de encontro a Lídia, enquanto esta sim suprime suas emoções e dizeres e até mesmo foge do escritor. Essa atitude se justifica pelo peso que o amigo hospitalizado, Tommaso Garani (Bernhard Wicki), representa para Lídia, mas também pelo seu receio em se expressar – algo que ganhou forma na relação em crise.

Após o anoitecer…

A primeira metade do filme parece imergir Lídia nesse vazio, explorando espaços amplos e inóspitos, como de praxe, e situações mais contemplativas e simbólicas, em uma divagação como em A Aventura (1960). Enquanto isso, a segunda metade parece ressaltar o contexto da noite como uma força invisível e decisiva para o casal como em O Eclipse (1962) , servindo para aprofundar suas psicologias e desenvolturas nesse “palco”. Esse conflito na vacuidade também parece ganhar tons literários, mas não tanto quanto em O Deserto Vermelho (1964), obra de Antonioni mais ávida nesse sentido – imagino se, em vida, ele tivesse adaptado um livro do Murakami

Pode parecer trágica e triste a forma como eu retrato o filme, mas na verdade o longa ganha tons bem animados em seus ambientes e situações, como na festa que ocorre à noite a cena dos convidados pulando na piscina quando começa a chover, a banda de jazz , mas também pela contemplação inerente ao seu recorte. A construção estética não permite que o filme morra num vazio narrativo. É por isso que se destaca em relação ao restante da trilogia, pois entre o limbo da incomunicabilidade ou o desfecho místico do contexto, sua conclusão opta pelo confronto da ambiguidade dos sentimentos em um retorno da própria escrita. 

Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.

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