Palavras que Borbulham como Refrigerante (2020) – Words Bubble Up Like Soda Pop – é uma animação japonesa dirigida por Kyohei Ishiguro e lançada em 2021. O longa original da Netflix conta a história de Cerejinha, um adolescente low-profile totalmente imerso no mundo dos haikus, e de Sorrisinho, uma influenciadora que usa máscara para não mostrar seus dentes incisivos e seu aparelho dental. Essa apresentação pode parecer excêntrica, o que de fato o filme é. Desde o princípio, percebe-se esse caráter próprio que, embora divida opiniões, diferencia o filme dos demais deste gênero.
Desde o início, entende-se que o anime possui um humor escrachado e um ritmo ligeiro, sem pausas longas para assimilar situações ou motivações dos personagens. Isso, na verdade, é um diferencial positivo que se assemelha ao próprio formato dos haikus, presentes em quase todos os momentos do filme. O aspecto cômico do anime serve como uma preparação para as situações de maior apelo emocional, que surgem de forma surpreendente.
Para quem não sabe, os haikus são um tipo breve de poesia japonesa, geralmente construídos em três partes, como por exemplo:
“Tomada na Mão
Esvai em lagrimas a
Geada outonal…“
Bashô
Na tradução, alguns aspectos que tornam o haiku tão significativo na língua japonesa são perdidos, mas é importante ilustrar, pois é um fator que molda o filme. O personagem Cerejinha se envolve profundamente na produção de haikus – chegando a influenciar um personagem que grafita haikus pela cidade. Essa forma poética na qual ele tenta se expressar culmina no próprio desenvolvimento do filme. A essência breve do haiku, construída através de uma recitação que transmite emoção, é incorporada pela natureza do anime à medida que Cerejinha perde a vergonha de recitar e busca coragem para se comunicar com Sorrisinho.
Por outro lado, Sorrisinho se comunica diretamente com seu público virtual e não tem relação com a poética. É como se a virtualidade do nosso tempo fosse retratada em sua forma mais pura, definindo no filme a temporalidade da internet como seu próprio contexto, que está sujeito a mudanças a partir do momento em que Cerejinha e Sorrisinho se conhecem. É possível observar claramente as diferenças entre o início e o fim do filme, com a mistura do que é expressivo e literal com o que é rápido e direto.
Explicitar mais detalhes da história certamente estragaria a experiência, mas o filme não se resume à narrativa, demonstrando uma constante tentativa sensorial de nos envolver em sua atmosfera. Basta ouvir a trilha sonora discreta, moderna e suave, como se estivéssemos aguardando uma ligação de algum serviço de operadora – porém atualizada, com instrumentação eletrônica. É importante notar isso, pois uma das características de Cerejinha é o uso de fones de ouvido, pois ele gosta de sentir o mundo em completo silêncio. Portanto, o anime quase não trabalha com sons de ambientação, mas vai se abrindo para essa possibilidade ao longo do filme.
Esse aspecto sutil da sonoridade do filme contrasta com o visual, ilustrado em cores vibrantes – chega a doer os olhos –, mas que são coerentes com o estilo da arte, que é muito original e confere personalidade à estética dos ambientes rurais e do shopping, que são os dois principais cenários. A coloração e os traços estabelecem um diálogo.
Em minhas considerações finais, posso dizer que “Palavras que Borbulham como Refrigerante” me impactou de forma muito pessoal. E isso – inevitavelmente – reflete-se na autoria desta crítica, mas sem sobrepor o mérito próprio do filme, que possui qualidades evidentes. Pode ser que não seja um anime que agrade a todos, dadas suas particularidades. No entanto, já é uma conquista que não tenha se submetido aos moldes já esgotados de Your Name (2016) – que foi saturado pelo próprio Makoto Shinkai.
Os haikus que tanto acarretam significados.
Palavras que Borbulham Como Refrigerante (2020) aposta na expressividade em harmonia com o que é direto e explícito. As situações evidentes do filme se abstraem para interpretações possíveis por meio da poesia dos haikus. É uma constante sintonia entre o tradicional e o contemporâneo. Isso se reflete na história, nos personagens e no ritmo do filme, que voa em seus 87 minutos – com a brevidade e como dito de um haiku.
Jornalista, especialista em Metafísica e Epistemologia (UFCA) e Filosofia e Autoconhecimento (PUCRS). Sou apaixonado por cinema, filosofia, música e literatura. Confluo essas áreas na escrita das minhas críticas.